Por, Rômulo Spuri
O RAP, a cultura Hip Hop, a expressão, as ideias passadas de forma construtivamente criativa. Ruas, vivências, referências, percepções de ciclo, linhas que puxam o amante do RAP para a imersão.
Ouvir e sentir um bom RAP é uma experiência para além de ouvir música e nos conecta com essas raízes da cultura! O viaduto grafitado, a respiração das ruas, o Black Alien e SpeedfreakS, a caminhada e a vida sendo aberta no grito do poeta. A potência do elemento em traduzir essas vivências em forma da arte das imagens e vozes.
RR me desperta essas sensações em RECOMEÇO. A faixa foi lançada hoje, 2 de setembro, acompanhada de um vídeo clipe e faz parte da estratégia de promoção do seu primeiro álbum, programado para o segundo semestre de 2022
Eu já conhecia seu trabalho como artista visual e quando entrou em contato pra me apresentar RECOMEÇO, não associei de cara. Então mesmo já conhecendo parte da sua arte, aquele PLAY que dei ali foi para ter contato com um lado que eu ainda não havia acessado.
Ouvi a música primeiro e já me pegou muito rápido. Depois recebi o videoclipe e tudo se ligou ainda mais. Além de conseguir sentir a essência única do RR, tive sensações que sinto quando ouço Quinto Andar, Subsolo, Contra Fluxo e Elo da Corrente, que foram minha escola no RAP. Talvez por isso a rápida aceitação? Acho que parte disso, mas também naquele âmbito das partes inexplicáveis da conexão entre emissores e receptores.
Mas das que podem surgir explicações e reflexões, chamei o RR para pra trocar uma ideia sobre a obra entre outras chaves simbólicas vindas dela e esse papo você pode conferir abaixo:
Nessa tangente do tema que você trouxe para a música, esse recomeço trata de vida, arte ou os dois ? Se é que conseguimos separá-los um do outro, mas nos abra mais a linha de inspiração para materialização dessa obra.
Nesse caso, um pouco dos dois… acho que a arte é um reflexo da vida do artista então esse projeto traz tanto um recomeço na vida pessoal quanto na vida artística. Uma carga de fechamento de ciclos durante o início de outros. Nessa música em questão, estava em um período focando mais no trabalho de artista gráfico, me mudei para o Rio logo após o lançamento do meu EP e fiquei por lá até o projeto se dar como finalizado. Esse som criou vida durante esse processo de finalização dos planos em meio ao início de outros, de uma maneira meio observadora, absorvendo tudo o que acontecia frente a esse “chamado” pra recomeçar as coisas na parte musical junto ao retorno para Belo Horizonte.
Para você recomeços são começos mais maduros? Ou é um voltar ao início pra fazer do zero? Nos conte mais como é sua visão em torno desse verbo
Eu tive que aprender desde cedo a ver isso tudo como uma forma mais madura de começar do zero. Desde muito novo eu e minha mãe nos mudávamos muito de casa, ao longo do tempo também tive relacionamentos que não deram certo e que de alguma maneira também me fizeram ver muita coisa se repetindo diante dos meus olhos. Em um momento desses de repetição me cansei de ver esse estado de “perder tudo” como uma punição e passei a ver o que aquilo podia me oferecer de novo depois daquela vivência que adquiri.
A alma antiga consegue ver com mais maturidade a força do recomeço, colocando mais energia nele do que no lamento do final da etapa anterior?
Eu sou um cara meio espirituoso, geralmente quando fico focado em uma coisa deixo aquilo me consumir 24h, o que acaba me fazendo ter uma sede fora do normal para chegar onde almejo. Então acho que, pra mim, esse sentimento de recomeçar às vezes é mais de ver o fim como um “ultrapassar de obstáculo” que acaba me motivando a seguir mais forte do que antes.
Para fazer Rap no Brasil é preciso estar familiarizado com recomeços?
Acredito que sim… Vejo esses “recomeços” pro rap apresentados em novas pessoas, novas ideias, instrumentais, flows, estética, etc… Isso meio que evita de a gente ficar reproduzindo o que todo mundo já faz, né? Se for pensar de uma maneira mais analítica sobre essa questão, até aqueles que, com muitas aspas, “seguem uma fórmula”, precisam recomeçar no conteúdo para não ficar fazendo o mesmo. Então acho que precisa estar familiarizado sim.
Que beat chave! Como o seu “grito” de recomeço encontrou a estrada perfeita nessa atmosfera do instrumental do J. Beats? Como foi essa conexão?
Mano, foi a maior doideira! Achei esse instrumental dando um confere na internet. Trombei com o perfil desse mano, o J. Beats, por acaso, num desses sites de compra e venda de instrumental. Adicionei o cara e dei ideia sobre a letra que tinha praquela batida. Nisso apresentei o protótipo da faixa, que até então estava gravado em cima do beat de Timoneiro, do Black Alien com Speed. O maluco era lá de Michigan, pelo que fui descobrir depois.
Depois de alguns emails trocados para apresentar a música já com o beat dele, traduzi a letra pra que pudesse entender o que era transmitido ali nas rimas. Com a música pronta, fiz a mix e master com o Skilo no Rio e mandei a master pra dar um confere. Ele parece ter gostado do resultado final.
O audiovisual consegue transmitir a vociferação introspectiva do rap, e as ruas em p&b passadas na estética analógica afirmam uma potência do que e de como está sendo dito, por alguém que vive elas. Casou muito bem, vejo que um clipe muito bom e uma música muito boa não é sinal de que vão combinar, precisa do encaixe, e em RECOMEÇO encaixou legal! Como foi o processo criativo do visual? Nos conte mais sobre o videoclipe.
Esse videoclipe foi um quebra-cabeças meu e do Suave (@felsuave) que se iniciou quando eu ainda morava em Niterói. De início, a gente pensou em fazer apenas um visualizer só com essa área urbana de Belo Horizonte, mas depois de muita troca de ideia decidimos fazer um videoclipe mesmo.
A ideia inicial era de ir nesses locais, onde a história de BH acontece como se fosse um reencontro meu com a cidade, com a cultura e a cena local. A Praça Sete acaba sendo um ponto de encontro de todo mundo que passa pelo centro, então tinha que estar presente. E também o Viaduto Santa Tereza, berço do Duelo de MCs, que acaba sendo um dos meus locais favoritos daqui. O foco principal era deixar uma parada introspectiva e visceral, com uma referência ali de “protect ya neck” no preto e branco.
Queria agradecer aqui também a paciência do Suave de deixar esse trampo sincerão. A gente alcançou um jeito que eu e ele ficamos felizes com o que foi produzido. E agradecer também ao De Rua, que colou no último dia de gravação com os equipamentos e com várias trocas de ideias durante o processo. Salvou demais!
RECOMEÇO anuncia também seu primeiro álbum. Tem algum link de relação entre a faixa e o álbum que você já consegue antecipar, para todos que curtiram esse trabalho e aguarda o projeto completo?
Esse single já adianta algo que quero trazer pro álbum sim. No caso é que eu me apresente ao ouvinte da maneira mais pessoal que consigo. Nesse projeto quero trazer umas histórias que me acompanham pela vida, sem ser algo que fale só do que eu tenho, mas sim de quem eu sou e onde quero chegar. Tomara que se identifiquem a esse ser humano que narra.
Esse álbum vai trazer uma maneira mais latina/mineira das histórias que acontecem aqui, do que aconteceu com o passar do tempo para os filhos pardos de mãe solteira dessa terra.
sobre RR
MC e artista gráfico natural de Minas Gerais, há tempos vem articulando na cena underground de BH e fazendo pontes com artistas que compartilham de chaves simbólicas próximas a sua. Nesse corre conectivo já trabalhou com grandes nomes do RAP nacional como artista gráfico: Matéria Prima, Max B.O, MC Marechal, Goribeatzz, Galf AC, Monge MC, Dr. Drumah, dentre outras lendas do RAP BR agora apresentando seu trabalho musical de estúdio.
Ficha Técnica:
Instrumental produzido por J. Beats, produtor norte americano dno Michigan
Gravado, Mixado e Masterizado por Alexandre Skilo (@skilo_musica / @meuprimeirosom_)
Videoclipe captado por Felipe Suave (@felsuave) e dirigido por RR e Felipe Suave.