Por Gustavo Silva
Experimentando o experimento sempre, o compositor, produtor musical, beatmaker e MC, 1cort3 lançou em agosto de 2021 o seu primeiro trabalho solo em formato de EP, “Paranoilismo”.
Contando com 6 faixas compostas ao longo de 10 anos, resgatando beats autorais e trazendo produções de grandes amigos e nomes do underground, o EP vem para marcar a libertação e a destruição de uma fase do artista para que outra se inicie.
“Paranoilismo” é a junção de paranóia e niilismo, é a ausência de controle e sanidade, é falta de crença em meio aos venenos da rotina diária, em um trabalho visceral, alucinógeno e experimental, que reúne nomes como Sergio Estranho, DK, El Mandarim, Saull Oe, Pandazilla e Mano 82.
Trocamos várias ideias com o 1cort3 sobre este trabalho de 10 anos e a atmosfera única criada no EP, além de toda a sua trajetória no Rap, na produção musical, seus outros projetos, parcerias e planos para o futuro próximo. Confira abaixo esse importante papo com um artista que carrega o valor das experimentações e do desapego artístico como suas bandeiras.
Salve meu mano 1cort3, satisfação enorme de poder trocar essa ideia contigo. Pra começar o papo, eu queria puxar um pouco da sua trajetória na música e na arte. Apesar de “Paranoilismo” ser o seu primeiro EP, a sua caminhada como MC e produtor não é curta ou recente. Como rolou o interesse e os seus primeiros contatos com a função de MC e a produção musical?
Com a música os primeiros contatos vieram através de um amigo de infância, o Arthur, com quem eu sempre fui fazendo música, gravando. Ele é mais um cara do Rock, é um puta técnico de som, produtor, e eu sempre tava com ele, eu com a brisa do Rap, ele com a brisa do Rock, e a gente ia criando juntos, tentando gravar no Audacity, no Cubase, Mixcraft. Então a gente ia inventando, mas era algo muito aéreo, sem nenhuma pretensão.
Aí vieram os contatos com o Rap através do Parkour, que eu treinava, a galera fazia uns vídeos e editava colocando trilha de Rap, então isso já chamava a atenção, mas nessa época eu ainda não fazia nada. Em 2010 eu baixei o Fruity Loops, tava me formando, e eu rimava, fazia uns freestyle com os amigos da escola, e fazia beat pra todo mundo ali. Meu intuito era produzir, fazer batidas para os outros, tentar ser DJ, gostava dessa cena dos bastidores.
E então chegamos a esse primeiro EP, que passou por um trabalho de 10 anos de composição e produção. Certamente o fato de o EP carregar as suas vivências e sentimentos de uma década inteira, influenciou muito na atmosfera, na temática e no contexto de “Paranoilismo”. Fala mais pra gente sobre como foi essa experiência de criação e todo esse processo de trabalhar e desenvolver uma obra ao longo de todos esses anos.
O processo de criação foi de uns tempos pra cá, é uma ideia que eu vinha amadurecendo desde que eu comecei a fazer som. Teve algum momento que eu tinha muita coisa, aprendi muita coisa, e queria fazer um tampo solo, e para executar isso eu fiz um resgate de instrumentais que eu tinha espalhados por aí, desses eu consegui selecionar o som de “Nadando para o Nada”, “Skit”, e “Jazz do Otário”.
A partir dessas escolhas fui dando uma cara para o que eu queria fazer, tentando extrair da caminhada a paranóia, que é tudo aquilo da vida que é disparado pra gente e não conseguimos organizar, tipo, viver uma vida, conseguir um trampo, se dar bem, enfim, e o niilismo, aquelas partes que a gente desacredita da porra toda. E o EP fala muito disso, de paranóias + falta de crença, tudo misturado de um jeito sincero, tentando julgar a forma como eu vejo algumas coisas, como eu me senti, é um EP que fala muito de sensação.
Dentro disso eu resgatei os instrumentais e consegui outros com meus amigos, o Estranho e o DK, que somaram muito nesse trampo, além de outras participações. Então a experiência foi muito traduzir sensações, resgatar instrumentais antigos e tentar condensar tudo aquilo que teve de sensação e sentimento, desde quando eu comecei até aqui. E o resultado é toda essa loucura, paranóia, falta de crença, por isso Paranoilismo.
Foram 10 anos de composição, produção e aprendizado, disparando para qualquer lado, eu não sabia onde ia chegar, eu sabia que eu queria um trampo solo, e tentei fazer esse apanhado todo, joguei tudo que já tinham me falado, as coisas que eu tinha na cabeça, e disparei. Então é um trabalho de libertação de um processo longo, entre gravação, captação, mixagem, masterização, finalização, capa, até completar tudo foi muito espaçado.
Você diz que esse EP vem para marcar a libertação e destruição de uma fase para que outra se inicie. Para você, o lançamento deste trabalho representa um rompimento, ou superação das paranóias e niilismos destes 10 anos, e uma forma de retomada de controle?
Sim, exatamente. Eu sou um cara que sempre acabei conseguindo produzir batidas, ideias, conceitos, letras sempre partindo de um sentimento negativo, pessimismo, niilismo, das paranóias, das tretas da vida, dos pensamentos que vão pra todo lado e a gente não entende bem, então esse EP representa um rompimento disso.
Eu não sou um cara que gosto de ficar muito apegado às mesmas coisas, então apesar de ser um combustível principal para eu construir, escrever, produzir alguma coisa, eu entendo que isso representa uma fase da minha vida, e quando você vive certas coisas você aprende, absorve, entende, evolui, e faz o jogo continuar. Para mim o EP marca a libertação e destruição de uma fase que vem muito da adolescência, e início da vida adulta, ele vem para fazer essa separação.
Então é uma forma de retomada de controle, de psique, dos pensamentos que você vai seguir, que você vai pensar. Enfim, eu não quero ficar preso sempre na mesma coisa, principalmente se for algo que gera negatividade, uma brisa errada, tem muita trevas na minha vida, na forma que eu vejo as coisas, e eu quero passar a ver tudo de uma outra forma.
Sempre colocando em prática a experimentação, nesse EP você também explorou diferentes sonoridades e produções ao longo das seis faixas, contando também com o trabalho instrumental do Sergio Estranho e do DK. Como foi esse processo das produções musicais, e todo o desenvolvimento instrumental do EP, que tem um papel essencial na construção desse ambiente visceral e alucinógeno?
Eu sempre gostei de beat que mostrasse sonoridade em um quesito mais espalhafatoso, algo como um teclado, uma sonoridade que se espalha, com um timbre que marca, algo introspectivo, avoado, no sentido de ter um timbre que cause alguma sensação, até algo minimalista.
Primeiro eu olhei para trás, para os beats que eu tinha e consegui resgatar três. “Skit”, foi um instrumental que eu fiz bem no início, quando eu tava aprendendo a fazer batida com o Arthur, que compôs o baixo dessa música, então foi uma representação bem do início mesmo. E “Nadando para o Nada” e o “Jazz do Otário” eu resgatei em backups abandonados que eu fui caçando. Então eu resgatei esses beats e peguei com o Estranho um beat dele que está em “Linue”, e com o DK que está em “Relatos da Queda”, juntei tudo e fiz uma curadoria.
Apesar de não ter uma conexão, de não ser um trampo que teve os instrumentais feitos exclusivamente para ele, foi o primeiro trampo, foi um exorcismo, para tirar tudo isso de mim. E o fato de eu ter conseguido resgatar os beats antigos e juntar com os novos foi maravilhoso, porque no final quando você escuta tem uma similaridade entre eles, entre a sonoridade, e todos carregam a ideia do Paranoilismo, um caos calmo, essa dualidade, uma guerra no milkshake, uma introspecção na guerra, todo esse contraste que os beats trouxeram muito bem.
Eu flerto muito com essa parte meio bizarra, de trazer um beat calmo para falar de uma bomba, ou um beat que é uma bomba para você falar de andar no parque. Então eu tentei buscar isso para trazer as ideias que eu queria, da minha forma de falar, com contrastes, com resgates antigos, misturando com coisas novas, e tentando colocar nisso tudo a minha personalidade, o Paranoilismo, em um ritmo de festa e tristeza.
E para te ajudar a extrair todo veneno da rotina do dia a dia, você trouxe também para o EP parcerias que são o reflexo das suas fortes relações e contatos feitos no underground do Rap nacional, como Sergio Estranho, El Mandarim e Saull Oe. Qual a importância para você em trabalhar com esses nomes e com o underground, que é a referência mais real de experimentação no Rap nacional?
Pra mim é uma importância absurda. Além do Estranho, do Mandarim e do Saull Oe, o EP também traz dois grandes amigos meus, o Pandazilla e o Mano 82 que estão na faixa “Apocalipsiquikis”, e o Arthur, meu amigo de infância, no baixo da “Skit”, uma faixa de 10 anos atrás.
Além de serem pessoas que fazem um som e entraram na minha vida de formas específicas, eles têm essa relação com o underground. São pessoas que quando eu comecei a fazer um som, comecei com Rap e batida, eu consegui trocar ideia com elas, consegui somar. São pessoas que partilhavam comigo das mesmas atividades, e cada uma em seu contexto, conseguimos somar juntos, quebrando aquelas barreiras do mundo artístico, das panelas, das pessoas que te julgam pelo o que acham sem te conhecer.
Entre essas pessoas todos gostam muito do que fazem, independente de fama, grana, tudo, são pessoas que estão ali, somando, multiplicando arte e cultura com todos, inclusive comigo. Todos ali têm uma caminhada específica e muita experiência, e mesmo com esse conhecimento e técnica toda, são pessoas que chegam junto, têm humildade e são grandes amigos.
Esse movimento é importante inclusive para levantar toda essa cena e fazer ela girar. O Rap é muito grande no Brasil, tem muita gente e com trampos muito legais, principalmente no underground. Então é importante fazer toda essa cena girar, que nem um furacão, e tirar tudo que tá debaixo do tapete.
A gente sabe que essas parcerias não são de ontem, e que você tem outros projetos além do EP envolvendo estes e outros grandes nomes do Rap underground, como o Rap Delivery, por exemplo. Conta um pouco mais pra gente sobre a proposta e a criação desse projeto.
Realmente, nenhuma parceria é de hoje. Acho que é fruto de uma caminhada que você vai encontrando as pessoas com quem você mais se identifica, e o Rap Delivery é isso. Eu primeiro conheci o Mano 82, que depois me apresentou o Sergio Estranho, e a gente foi desenrolando várias vivências no Rancho Mont Gomer, onde eu também conheci o Dom Rafa, e com esses quatro nomes formamos o grupo.
A gente foi colando junto, trocando ideia, resenha, fazendo som, fazendo beat, gravando guia, escrevendo letra, e quando a gente foi ver já vínhamos há algum tempo fazendo um monte de som, e decidimos fazer algo com isso montando o Rap Delivery. A proposta veio mesmo nessa noção de “alta demanda”, como a gente tava com um grupo muito ritmado, produzindo muito, escrevendo muito, em alta velocidade, a gente estava sempre pronto para entregar um Rap, fazer um delivery, na ideia dos aplicativos de entrega mesmo.
Decidimos reunir tudo isso no mesmo conceito, de entregar bastante trampo, aproveitar nossos recursos, nosso talento, habilidade e fazer vários sons. Do que a gente quiser, Rap de várias temáticas, explorando o que o Rap dá pra gente e fazendo disso o nosso grupo, voltado para a criação extrema, sem se prender, sem cadeado no raciocínio. Sempre trabalhando, claro, com o que a gente acredita e se identifica tanto em beat, quanto em letra.
É uma questão de sinergia, de todo mundo estar tão à vontade que o processo de trabalho acontece naturalmente, em uma velocidade legal. O foco não é acelerar, mas o “acelero” já é natural de todo mundo ali. Vamos aproveitar o momento que a gente se sente bem e fazer os trampos, no nosso ritmo, do nosso jeito.
Pra fechar esse nosso papo, como você disse que o EP é a destruição de uma fase, o que podemos esperar ouvir e ver como próximos planos do 1cort3, e dos seus projetos de uma forma geral?
Cara com certeza, porque você vai juntando música, aí tem esse EP, mas tem muita música que eu escrevo, em outros projetos, parcerias. Então é destruição pra abrir espaço para um monte de coisa.
Eu sou um cara que flerta com várias temáticas e isso não vai mudar, então dentro do Rap, é Boombap, é Trap, é Trip Hop, Memphis 66.6, House, R&B, acho que tudo que a cultura Hip Hop e as vertentes do Rap trazem eu não vou me prender, então dá pra esperar que eu vou atirar pra todo lado, dependendo da brisa que vier na hora. Além do Rap vem a música, e ela é sem fronteiras, então esperem cada vez mais experimentações, que não vão estar embasadas em nada fixo, as referências musicais que eu tenho e admiro são nesse sentido, não gosto de me apegar a nada fixo, então vou trazer coisas diversificadas.
Tem muita coisa do Rap Delivery acumulada, estamos com dois EPs para lançar, o “Rimas para Viagem” e o “Cyber Tracks”, numa temática futurística, pós-apocalíptica, pique Blade Runner. De 1cort3 acho que vai ser uma fase de muitos singles que eu quero fazer e soltar, e até condensar outras ideias para lançar em formato de EP. Mas tudo de uma forma geral, atirando pra todo lado, sem ideias fixas, desapego total.
_________________________________________________________________________
Agradecemos muito ao 1cort3 por essa importante troca de ideia. Acompanhem os corres e lançamentos do artista nas suas redes e plataformas digitais.