Por Gustavo Silva
Salve, salve família Straditerra! Gustavo aqui novamente. Hoje vamos respirar o ar do Velho Continente fazendo a conexão Straditerra-Portugal, com o trabalho do MC sódan!
Carioca do bairro do Irajá, na zona norte do Rio de Janeiro, Dan é um artista que encontrou nas poesias uma forma de comunicar seus pensamentos e sentimentos, e descobriu no Slam, um espaço para colocar suas poesias no Rap.
Morando em Portugal desde 2018, foi no ano passado que Dan fez seu primeiro grande lançamento de um trabalho musical, com o EP “Crise da Meia-Noite”. Escrito em meio às madrugadas da pandemia, o EP transborda uma atmosfera bem íntima, narrando uma jornada de entendimento, criada em torno de sonoridades Lo-Fi.
Contando com nomes importantes para a cena underground e Lo-Fi como gvtx, nabru, Sh1ft, além dos portugueses Isrobro e Wusdat, o EP apresenta Dan narrando dias de uma quarentena que todos vivemos, e expõe na escrita o íntimo do artista em meio a tempos de escuridão, onde a arte se torna o principal refúgio.
Trocamos uma ideia com o sódan, em um papo sobre a trajetória e os primeiros contatos dele com a arte, o processo de desenvolvimento de “Crise da Meia-Noite”, as participações e produtores envolvidos no EP, as influências de Cartola e da música brasileira nos trabalhos do MC, e muito mais!
Straditerra: Salve Dan! Pra começar esse nosso papo, queria que você contasse um pouco sobre a sua trajetória com a arte, os primeiros contatos com música e poesia, desde sua caminhada no Slam, até o lançamento do EP “Crise da Meia-Noite”.
Dan: Salve, salve! Primeiramente quero agradecer o convite da galera da Straditerra, agradecer o convite por estarem fazendo essa entrevista, falando um pouco de mim e dando esse espaço pra gente ter um pouco de voz. Agora respondendo à pergunta, eu tenho 22 anos de pista e graças a Deus eu nasci em um bairro que tem uma riqueza cultural e musical muito grande, que é o bairro do Irajá, na zona norte do Rio de Janeiro, ali perto de Madureira, entre outros bairros que têm uma cultura muito forte. Dentro dessas forças incríveis que vêm dos bairros, acredito que a maior delas seja o samba. O samba, a religião, tudo isso que envolve essa cultura de subúrbio, de periferia. Hoje eu enxergo que ter crescido nesse meio foi um grande presente pra mim.
Tive também a oportunidade, desde pequeno, de ter esse contato com arte através da minha família. Meu pai sempre curtiu muito rock, curtia ouvir Legião Urbana, Cazuza. A família da minha mãe vem do sertão, então eu sempre ouvia muito Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo, muito forró, muita música, muita referência. E acho que isso tudo foi me formando. Fora a música eu sempre tive muito contato com a arte, desde pequeno. Meu pai tinha um sonho de adolescência de estudar cinema, infelizmente ele não teve essa oportunidade, porque a gente vinha de um bairro muito humilde e meu pai perdeu o pai dele muito cedo, então teve que recorrer para meios que dessem um retorno maior. Mas isso fez com que desde cedo eu tivesse esse contato com o cinema.
Lá pelos meus 10 anos eu comecei a me interessar por uma comunidade do Orkut de histórias de terror, eu gostava muito de ler aquelas histórias, era algo que me prendia muito e me fazia voltar pra essa visão cinematográfica das coisas. Até que um dia resolvi escrever pra essa comunidade e isso começou a me dar muito prazer, além de ter um bom retorno da galera que acompanhava. E assim surgiu minha paixão pela escrita.
Reflexo virou matéria
D: Lá por 2014 eu passei por alguns problemas pessoais que me despertaram pra escrever muitas poesias, e o retorno das pessoas que liam era sempre positivo, o que me incentivou a seguir escrevendo, e sempre ouvindo muita música. Sempre ouvi rap, desde novo. Além do samba, meu bairro tinha muita força com rap, funk, funk de facção, proibidão. Mas pela forma que eu escrevia, que eu me comunicava, eu sentia que não tinha espaço no rap.
Até que em 2017 eu ouvi um verso do Makalister em “Poetas no Topo 1”, que me gerou uma pulga atrás da orelha, porque eu achei muito genial a forma poética que ele falava sobre um assunto totalmente profundo e complexo, me lembrando muito das coisas que eu gostava de ler e da própria forma que eu me comunicava através da leitura. E foi esse um dos impulsos que me fizeram começar a escrever rap.
No Rio de Janeiro eu frequentava desde muito novo as batalhas de rap, shows, estava sempre envolvido nesse meio mas nunca tinha me apresentado. Quando eu comecei a escrever meus raps eu tive contato também com o Slam Marginal, que me deixou extremamente encantado. Em 2018 eu vim morar em Portugal, e não sabia se eu teria a oportunidade de me apresentar em algo assim por aqui.
Chegando aqui eu me inscrevi em um curso de arte e espetáculo – mais voltado para o teatro e performance – que agregou muito à minha bagagem como artista. Nesse período de estudos, na cidade que eu estava no Algarve, chamada Faro, começou a rolar uma batalha de MCs organizada por brasileiros, que tinha um espaço só para poesias e foi quando eu resolvi me apresentar.
Logo na minha primeira apresentação a galera foi ao delírio. Eu mandei a minha poesia e vi gente com o olho brilhando, chorando (risos). Aquilo pra mim foi um impulso muito grande. Até então eu não tinha muita coragem de expor minhas poesias, por achar que escrever sobre os nossos sentimentos era uma forma de fraqueza, e aquele dia quebrou de forma total esses pensamentos. Daí eu passei a colar toda a sexta-feira no Slam, comecei a me tornar mais conhecido na cidade, a participar de Slam em outros lugares, até no Slam regional do Algarve que cheguei na semifinal, concorrendo a uma vaga para o nacional de Portugal. Infelizmente não rolou, mas esse ano, e quem sabe ano que vem, quero me inscrever e continuar participando.
Essa foi minha caminhada com o Slam, um grande pontapé pra mim. Desde que comecei a escrever poesia, e rap, eu vinha trabalhando, estudando e tentando me entender como escritor e músico, e o Slam foi esse primeiro grande passo. Até que chegou a pandemia, e eu precisava encontrar soluções pra continuar fazendo aquilo que eu gosto, e assim surgiu a ideia de fazer o EP “Crise da Meia-Noite”.
Foi tudo em um momento muito perfeito, eu conto pra galera que se fosse em outra altura da minha vida, até mesmo esse ano, eu não faria um EP como esse, eu nem lançaria esse trabalho, apesar de amar muito as músicas. Eu acho que era pra ser lançado no momento que foi.
D: Eu acho que foi tudo muito natural. Até mesmo pela primeira faixa, eu falo literalmente sobre os primeiros dias, e como é estar passando por esse momento tão novo na nossa vida. A partir da primeira faixa para as outras foi como um filme mesmo. Primeiro é aquela sensação de “o que tá acontecendo?”, “o que eu tô vivendo?”, a saudade que você sente das coisas que você vivia, da rotina, da liberdade, e aos poucos foram surgindo as outras letras. Nada muito pensado, como: “agora eu vou escrever sobre isso”. Foram dias narrados literalmente.
S: Para instrumentalizar toda essa atmosfera do EP, você contou com gvtx, Sh1ft e Wusdat, que lançaram o melhor do Lo-Fi nas suas produções, trazendo grande destaque para o lado instrumental do EP. Como foi pensada a seleção desses produtores e o desenvolvimento dessa sonoridade Lo-Fi no EP?
D: Assim como as letras, o processo de instrumentais foi com o tempo, de forma muito natural. O Sh1ft é um amigo pessoal, a gente faz parte do coletivo 3GALO do RJ, e foi uma das primeiras pessoas que me deram um apadrinhamento no sentido de me guiar musicalmente, e de trocar experiências sobre música. Então logo que eu comecei a pensar no projeto eu sabia que não ia deixar ele de fora, até mesmo por ter a vontade de fazer algo extremamente experimental, fora da curva do que a gente consome no rap nacional em geral, o Sh1ft é um cara que tem muito essa vibe.
O gvtx foi praticamente um combo da nabru. Eu conheci ela em 2019, visitando o RJ, e logo acabei conhecendo também o gvtx. Comecei a ouvir muitos sons dele com o Anti-Herói e logo bateu o feeling dos beats dele. O gvtx pra mim é um dos melhores produtores da atualidade no meio underground.
E o Wus é um mano aqui de Portugal, inclusive foi o Sh1ft mesmo que me apresentou na época que eu tava procurando sonoridades pra trazer pro EP, e ele foi outro cara que bateu o feeling. Na época eu tava ouvindo muito Lo-Fi, e tudo que envolve essa estética mais experimental, mais alternativa.
Em 2018 eu conheci o som do lord apex, um artista da Inglaterra que é muito foda; descobri Yellow Days, caras que têm uma estética mais suja, experimental, e que acabaram me inspirando muito. O Lo-Fi foi algo mais de uma procura, eu tava realmente à procura de beats, instrumentais e de uma atmosfera que pudessem trazer um pouco daquilo que eu tava ouvindo e vivendo na época, e o Lo-Fi encaixou totalmente nisso.
S: E agregando ainda mais valor a “Crise da Meia-Noite”, nabru e Isrobro chegaram no melhor estilo, lançando ótimos versos nas duas participações que você trouxe nesse EP. Como foi a escolha dessas duas participações com presenças tão fortes nesse trabalho?
D: O som da nabru foi muito importante pra mim, porque eu acho que ela é uma pessoa que tá no momento certo. Ela apareceu no momento que era preciso aparecer, é uma representação feminina muito forte, e que felizmente a gente acabou se tornando amigos de vida. Era realmente alguém que eu não queria deixar de fora desse projeto. Como foi um trabalho feito na quarentena, que traz toda essa naturalidade nas letras, eu e ela acabamos fazendo esse som através das vivências, conversas e trocas de ideias que tivemos nesse momento.
O Isrobro é um mano que eu já curtia muito aqui de Portugal. Quando eu cheguei aqui eu procurava realmente uma cena underground forte, e ele foi um dos nomes que eu logo descobri e me gerou muita curiosidade e interesse pelo trabalho dele, por toda essa estética do Lo-Fi e do Boombap, então achei que seria uma participação perfeita.
S: Em meio a algumas pesquisas sobre suas influências, Cartola é um dos grandes nomes, principalmente nesse EP. Fala um pouco mais pra gente sobre sua relação com Cartola e os reflexos dessa influência em “Crise da Meia-Noite”.
D: Por ter vindo de um bairro que bebe muito do samba, o Cartola é inevitável na minha vida. Desde o começo da minha jornada aqui em Portugal ele sempre esteve presente nos meus fones. As músicas, as letras dele sempre fizeram muito sentido para aquilo que eu vivo. Eu sou uma pessoa que pira muito na interpretação musical, e acho que o Cartola é um cara que conseguiu interpretar de uma forma que poucos artistas eu vi fazendo. A forma que ele expressa o sentimento nas letras, na voz dele, as melodias, isso é algo que me inspira bastante.
S: Dan, você comentou que em 2020 nós passamos mais do que 40 dias no deserto e nesse deserto você descobriu muita coisa, fonte de água e de vida. A arte, a música, certamente foram algumas dessas descobertas, o que fica refletido nas narrativas deste EP. Ao passar pela “Crise da Meia-Noite”, você sente que a arte foi o caminho que você encontrou para lidar com as verdades e incertezas desses tempos, e enxergar a melhoria que está por vir?
D: Com certeza. A arte pra mim sempre foi um refúgio, desde pequeno. Nessa entrevista eu até resumi em pouca coisa sobre o que eu já vivi com a arte, e como ela se conecta com a minha vida. Vi uma vez dizerem que a arte é tipo um carma, você não consegue fugir, é algo que tá ali dentro de você, e tudo que você faz reflete naquilo, desde os lugares que eu vou, até pessoas que são artistas que acabam se conectando comigo naturalmente, é algo que gera essa conexão.
“Crise da Meia-Noite” foi só um pedaço daquilo que eu precisava naquele momento. Antes do EP mesmo eu tava pensando em fazer outro EP que ia chamar “Daniel na Cova de Gelo”, onde eu queria falar sobre estar dentro dessa cova de gelo, que vai derretendo conforme o Sol vai chegando. Mas acabei mudando o nome, pelas letras terem sido escritas na madrugada, e toda a atmosfera que o EP tem.
A arte está envolvida nisso. Ano passado na quarentena eu perdi três pessoas muito importantes pra minha vida. Na faixa “Tudo Que Você Podia Ser” meu verso foi escrito para a minha avó, que eu perdi ano passado. É meio que uma carta para ela, e para outras pessoas que se foram. Perdi um tio meu, um amigo de infância, e a arte me ajudou a superar tudo isso. Seria um peso muito mais complicado de lidar sem a arte do meu lado.
S: Além de Cartola, quais outras influências e sons têm ocupado seus fones e dado base para suas criações?
D: Eu sou muito de momento, não consigo me focar em um gênero só. Agora tenho escutado muito rap norte americano, Westside Gunn, JPEGMafia. Tô sempre ouvindo muita MPB também, ouvindo muito meus amigos, nabru, Lessa Gustavo, Dro, essa rapaziada que tá sempre comigo. São sons que pra mim fogem um pouco dessa caixa. Eu gosto de estar ouvindo coisas novas, experimentando coisas novas.
Sobre referências e influências, com certeza Renato Russo é uma grande influência para mim de escrita; a Clara Nunes é uma mulher que pra mim tem uma referência muito grande de canto; Milton Nascimento, esses grandes heróis da música brasileira pra mim são uma grande força da natureza; Ney Matogrosso, gosto muito de todos eles.
S: Dan, pra fechar esse papo, apesar de ser um lançamento recente, “Crise da Meia-Noite” foi só o seu primeiro EP. O que podemos esperar entre os seus próximos projetos?
D: Agora depois do clipe de “Fuso Horário” eu vou lançar uma fanzine que foi feita em colaboração com a minha amiga Myrella, uma artista incrível de São Paulo, ilustradora. É uma fanzine onde eu coloquei algumas coisas que eu escrevi no processo de “Crise da Meia-Noite” mas não foram para o EP, então tem poemas, desabafos, prosas e ilustrações muito bacanas.
Fora isso, ainda esse ano, se tudo der certo, eu espero que eu consiga trazer mais trabalhos, quem sabe um novo EP até o final do ano, começo do ano que vem. Mas esse ano eu tenho certeza que alguns singles vão vir e algumas participações com amigos meus.
Agradecemos muito ao sódan pela disponibilidade pra esse papo! Confiram o EP “Crise da Meia-Noite” nas principais plataformas de streaming, e acompanhem os trabalhos do MC nas redes sociais.