Veja através do Oráculo: história, presente e futuro, o resgate urgente da cultura salvadora

Atualizado: Mar 24

Por Bruna Helena

Direto da periferia da periferia do planeta, em Vargem Grande, São Paulo, Oráculo trás o trabalho intitulado ARTErial, um EP carregado com suas linhas que pulsam direto do coração, nitidamente baseadas em sua vivência e seus olhares acerca do mundo que têm ao seu redor.

Todas as observações são feitas à partir de seus olhos aguçados, rompendo com a cegueira da sociedade, que segundo o próprio, Saramago percebeu.

O trabalho lançado em 2020 conta com participações de outros artistas, como Lari Rocha, Liberdade Expressiva, entre outros, e têm produção assinada por Póvoa Beats, cada qual cumpre seu papel na complementação das ideias trazidas até aqui pelo MC; o EP traz um peso de sustentação que hoje faz falta para a cultura Hip Hop, o peso da responsabilidade com o elemento quase esquecido mas felizmente resgatado aqui, que é o conhecimento. Teoria e lírica que mostram que a prática também é necessária, estar na rua, em diálogo com os nossos, lembrando a importância de todos os elementos juntos na defesa da vida do povo, e na tomada dos meios de acesso à cultura, educação e dignidade.

A arte visual do trabalho foi feita por Beatriz Arêas, uma colagem carregada de elementos que transmitem com simplicidade e riqueza as ideias que ouvimos e sentimos através da sonoridade e da lírica propostas por Oráculo, o que ajuda a compor o quadro completo da obra e a visualizar as coisas sentidas nestes sons.

ARTErial é de fato o que propõe, arte correndo nas veias, misturada com o sangue, que muitas vezes escorre de forma injusta e cruel, mas que aqui significa vida e sobrevivência, dois conceitos conhecidos por aqueles que vêm de onde viemos, digo, o povo da periferia brasileira, muito bem representado nesse trabalho que é completo, audacioso e desde já se torna um clássico por rememorar uma essência que muitos acreditam já estar perdida.

Conversamos com o artista sobre seu trabalho, na busca de saber mais sobre o que pensa esse Oráculo que trás a arte em suas artérias, confira:

Qual foi a inspiração principal do ep?

”A inspiração principal é o gueto. O povo que vive longe do centro tentando sobreviver com as migalhas; é também a luta por justiça social que chegou por meio do acúmulo de vivências e leituras, histórias de pessoas próximas, dos livros escritos por autores distantes. Vivemos em tempos difíceis enquanto periferia, as oportunidades estão cada vez mais escassas, o instinto de sobrevivência, cada vez mais, volta a flertar com a criminalidade, a miséria volta a bater em nossa porta, o alimento mais caro, a crescente no neofascismo na América do Sul também é um fator abordado na EP e, por isso, a luta contra esse velho fantasma que paira sobre nosso país, o qual vem desenterrando ideologias perversas, das mais podres já vistas na história humana. Arterial é uma síntese disso tudo; é a visão de um jovem, que cresceu na periferia de São Paulo, pai de dois filhos na luta pela sobrevivência às margens do centro, buscando tirar o seu sustento da arte, hoje, na periferia do distrito federal.”

Como você escolheu o time que participa?

”Foi uma escolha objetiva, de pessoas que estavam próximas fazendo arte também, em alguma periferia do Brasil. Escolhi pessoas do Distrito Federal por uma questão de logística mesmo, por estarem perto. E cada uma delas foram escolhidas a dedo, de acordo com a sensibilidade da canção; pensadores de todas as idades, gêneros e cores, os quais tiveram acesso livre a expor seu pensamento na EP. Participantes diversos, desde nomes consagrados do rap nacional como Código Penal, a grupos que estão adentrando a cena com os dois pés na porta, como Liberdade Expressiva; a participação de MedX Musiek, migrante de terras nordestinas; participação do MC Piloto, representante das batalhas de rima; e, também, de Kamuu Dan Wapichana, liderança dos povos originários no Distrito Federal; de Larissa Rocha, voz marcante na luta pelo direito das mulheres. O DJ Póvoa soube valorizar essas participações e criou instrumentais que propiciaram a atmosfera mais adequada a cada faixa musical.”

Poderia nos falar mais sobre o nome ARTErial?

”Ainda em processo de criação do EP, escrevi um poema chamado POEMA ARTERIAL, do qual se originou o nome. Eu sou um leitor assíduo dos temas que envolvem a cultura latino- americana e sempre fui fã do uruguaio Eduardo Galeano. Assim, quando acessei o universo da leitura, em meados de 2009, chegou até minhas mãos o livro As Veias Abertas da América Latina e, desde então, planejei fazer uma referência a esse livro dentro do rap, considerando que o Rap, além de tudo, é também um trabalho de resgate da memória dos povos que vivem em situação de vulnerabilidade social, levando-os a compreender o processo de colonização e exploração da América Latina, e como ele desencadeou as mazelas sociais no mundo atual. Foi pensando nisso que nasceu ARTErial, obra que nos remete às artérias, veias, sangue de um povo forte, diverso, porém marginalizado em razão da injustiça. ARTErial foi uma tentativa de levar oxigênio ao coração dos ouvintes, assim como fazem as artérias ao corpo.”

Como o ARTErial conversa com o público do rap?

”Ele conversa em tudo. Qualquer um que vive nas periferias das grandes capitais de nosso pais sabe o que é abordado nas letras, porque são temas recorrentes na sociedade, tais como o racismo, a luta de gênero, a luta pela terra, a luta de classes. E o EP traz representantes dessas mazelas para falarem com a própria voz o que eles sentem na pele com essas opressões e desigualdades. Através de crônicas, contos e poemas, eu procuro levar o ouvinte a um estágio de reflexão sobre tais situações, de uma forma madura e profunda. São anos de dedicação e estudo desses temas, somados com a vivência no Rap, porque eu sou um fã incondicional do rap nacional; ouvi muito rap desde criança, ouço o som dos mais atuais aos pioneiros, aqueles que asfaltaram as ruas que andamos hoje em dia. Por isso, o ARTErial é um relato da realidade de alguém que está dentro das trincheiras do gueto, que nasceu nisso. Em tempos de diferentes narrativas sobre a periferia, parafraseio o ilustríssimo Renan, do Inquérito: “Se a história é nossa, deixa que nóis escreve”.”

E como ele pode conversar com um público que não é do rap?

”Acredito que os diversos gêneros literários usados no EP acabam despertando uma curiosidade em outros públicos fora do Rap. A capa também traz uma sensação mais geral do mundo artístico; a linguagem popular também é um diferencial nas letras das músicas, porque facilita a compreensão das ideias expostas, as quais são temas recorrentes nos debates da população empobrecida em qualquer lugar do Brasil, seja dentro dos ônibus, botecos, postos de saúde, padarias. Ao mesmo tempo, como sou estudante de linguagens, literatura, nas letras, procuro apresentar o meu lado mais intelectualizado com indicações de obras escritas por autores representativos no âmbito da luta por justiça social e das artes, para incentivar o público a ler e refletir sua realidade por meio desses textos.”

Oráculo de fato nos mostra um futuro através das linhas, em linearidade precisa com a história do passado e nossas vidas presentes, um trabalho para ser ouvido, visto e sentido acima de tudo, é bem mais que uma indicação de som para seus fones de ouvido, é além de tudo profecia e sintese do que todos sentimos correndo nas veias, mesmo aqueles que não sabem que a arte vem além do que os olhos podem ver e os ouvidos podem ouvir, isso se trata do importante resgate da cultura que pode salvar vidas, mentes e corações, limpe suas artérias com essas águas límpidas e sonoras.

Ouça ARTErial, por Oráculo.

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