por Gustavo Silva
No dia 01 de dezembro o MC de Volta Redonda (RJ) e membro do coletivo de música e audiovisual CalMob, DC, lançou o seu quarto EP, Guerra do Sonho. O mais recente trampo do Dragão Crioulo narra a cotidiana luta pela realização dos sonhos, com todos os desafios, superações e mudanças que fazem parte dessa luta.
O coletivo CalMob é conhecido por trabalhos que envolvem composições explorando o canto e o instrumental, apresentando estética identitária e dando o olhar sincero sobre o cenário urbano que envolve a existência do grupo, e com o lançamento do DC não foi diferente. Guerra do Sonho veio na forma de um EP visual, com três faixas ilustradas com clipe e apresentadas em sequência em um único vídeo.
“Quando eu vi que o formato do EP teria três músicas eu pensei que a ideia de ilustrar cada uma com um clipe seria muito boa. O pensamento do EP visual, com todos os clipes saindo juntos, foi algo elaborado mais pro final do processo, mas ter esses três clipes no EP sempre foram um pensamento”, explicou DC.
As faixas são assinadas pelos beatmakers da região Sul Fluminense do Rio de Janeiro Ninju e l v k s. A mixagem e masterização ficou por conta do Studio Setor em nome do MC e produtor musical Ramiro Mart que já mixou trabalhos de artistas como niLL, Yung Buda, GoriBeatzz, Ju Dorotea, entre outros.
Em Guerra do Sonho, faixa que abre o EP, DC traz o manual de guerra do cotidiano através de um diálogo entre físico e espiritual, sobre saber dar utilidade ao que se tem, a fim de conquistar o que se quer. A faixa busca destacar a importância das constantes mudanças que acompanham o processo de realização dos sonhos.
“Pra mim essas mudanças são primordiais, porque certos sonhos a gente acaba não recebendo o devido retorno, digo em questões financeiras mesmo, e quando a gente tá fazendo tudo isso estamos sempre visando colocar esse trabalho de uma forma que nos deixe mais confortáveis em diversos aspectos. Eu penso que a gente tem que ter muita força em tudo que escolhe, porque fica muito complicado você simplesmente ter uma ação baseado em algo que pode ser cômodo, mas que não é algo realmente necessário ou o mais correto para determinada situação”, explicou DC.
“Mostre-me o caminho que você recusou Que eu te garanto que tá muito melhor.”
DC comenta que não sabe quantos caminhos teve de recusar pra conquistar o seu sonho:
“É muito tempo de estrada, muito tempo fazendo som nessa caminhada, então com exatidão é complicado, mas foram alguns. É aquilo que a gente aprende desde sempre que cada escolha é uma renúncia, a gente tem que ter isso, saber que toda vez que você tomar uma decisão você tá fechando uma porta para outra, e em algum outro momento você pode pensar que não tenha sido o movimento mais correto. Mas é aquilo, se a gente for parar pra pensar nisso o tempo inteiro a gente acaba não vivendo, não se movimentando, porque é isso o tempo todo, escolhas o tempo inteiro, tentando sair do lugar que está, para um melhor, então isso inclui você ter que optar por certas coisas que não vão te possibilitar outras”.
No clipe, a primeira música traz vários takes do cotidiano, algo como um rolê na rua:
“Nessa ideia de fazer um filme mostrando imagens de rua, como não tem um direcionamento muito certo do que você vai querer ou não, é bom trazer mais pessoas pra te ajudar a captar mais frames e dar mais opções. Então nesse clipe tem alguns frames meus, outros feitos pela Beatriz Arêas, e alguns foram do Lucas Linhares, que tá produzindo bastante material da CalMob também”.
A produção visual contou com a designer Beatriz Arêas (EPIGRAFART), Diretora de Arte de todo o trampo. Ela produziu a capa e o material de divulgação, além de dirigir e captar takes dos clipes. Não menos importante foi a participação de Lucas Linhares, representando o coletivo Cinza City, responsável pelo material fotográfico de divulgação e colaborando com takes para os clipes.
A faixa destinada à santa padroeira do país, segundo a igreja católica, Nossa Senhora Aparecida, fala do cenário predominantemente branco na religião, direcionando a oração à divindade retratada por uma mulher negra. DC busca mostrar a resistência e autoridade do povo negro mesmo em uma religião marcada por um passado escravocrata e separatista. Toda proteção envolvida na santa, que movimentou a fé de famílias de periferia ao redor do país e garante o lugar ativo dos reais construtores de toda devoção.
“Minha relação com o espiritual não é tão constante nos meus trabalhos, mas vem muito de mim. Eu tava vendo um discurso recentemente, não lembro bem de quem foi, mas que diz que no Brasil, na realidade que muita gente vive nos bairros de periferia, às vezes a igreja faz muito a função do social. A igreja é o lugar que oferece música, esporte, lazer pra juventude, e foi onde eu pude ter os meus primeiros contatos com a música. Foi o primeiro lugar que teve pessoas me ajudando a cantar, primeiro contato com instrumento musical, e que fez surgir esse interesse, e isso vem muito da minha família, meu pai, minha mãe, galera que é tudo devota”, afirmou DC.
DC comenta que nunca tinha se aberto sobre sua espiritualidade em uma música, mas as complicações de 2020 trouxeram algumas mudanças:
“A gente ouve aquele papo de que só buscamos espiritualidade ou uma religião quando tá passando algum veneno, algum problema, e não acho que enquanto ser humano estamos errados de pensar assim. Não digo também que eu busquei na totalidade de como as pessoas pensam a religião, de ir na igreja todo domingo e ter aquele compromisso, nunca fui assim. É mais uma questão de saber que tem alguém olhando por mim, orando por mim. 2020 foi um tapa pra todo mundo, eu passei por umas questões bem complicadas na minha vida social, familiar e profissional que me deixaram em conflito com várias coisas”.
Segundo DC, a faixa estava praticamente pronta desde 2017, só o segundo verso foi escrito esse ano:
“Eu achei que eu necessitava soltar essa música pra essa santa nesse ano tão difícil, falando sobre o que eu penso sobre ela, aquilo ali foi como uma oração de fato. É como sempre foi na minha vida, se eu tiver que entrar numa igreja eu vou orar do meu jeito, observar do meu jeito. Não pode ser da forma deles, que têm um passado, e até um presente, com uma galera ali dentro que não me representa, que não tem os mesmos interesses que eu, e que não conseguem ter paz enquanto pessoas como eu tiverem”.
O segundo clipe foi inteiramente dirigido pela Beatriz Arêas.
“A gente foi até Aparecida do Norte, eu, ela e mais dois amigos, conseguimos fazer algumas imagens, demos um rolezinho por lá e sem dúvida é o meu clipe que eu mais gostei até hoje. Já tinha a ideia desse clipe desde o meio do ano, eu queria muito fazer essa track, pensei até em soltar como single mas achei que no EP ficaria mais legal”, destacou DC.
Na última faixa do EP, Primeira Hora do Dia, DC narra a busca pela motivação para um novo dia e uma nova batalha. Depois de todo o conflito da primeira música e da oração antes repouso na segunda, aqui se enxerga o momento onde se levanta do sono, pronto pra mais horas de conflito, aprendizado e reconstrução. Essa foi a primeira música do EP escrita por DC, fora os versos de Deus no Mercado que já estavam prontos.
“O último clipe é todo meu. Foi numa visita que eu fiz ao Ninju, em Visconde de Mauá (RJ), e captamos várias imagens em volta da casa dele e na região. Pra essa música eu já tinha uma brisa que seria um lance de montanha, de mata, visando um cenário diferente de Volta Redonda, que é uma parada mais urbana, aqui tem chaminé pra caramba, um monte de poeira, e pro lado de lá é um céu mais limpo. Como o negócio é a primeira hora do dia eu queria dar essa visão de algo mais vegetal, mais verde, um ar mais puro e toda essa coisa”, disse DC.
O MC comentou também sobre as dificuldades do processo de captação audiovisual que o período da pandemia trouxe para os trabalhos.
“Tudo tem um lance de: ‘Será que tem como ir? Será que é sensato ir?’, eu achei legal aparecer de máscara na maioria dos takes, pra também marcar esse período. Então eu sempre quis fazer essa fita de ilustrar tudo com vídeo, eu tô bem feliz que consegui fazer nesse EP, e por saber que pode ser uma tendência para os meus futuros trabalhos”.
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