por Gustavo Silva
O carioca Luiz Farias Neto, de 24 anos, conhecido no rap como Vndroid é daqueles artistas que não te permitem consumir o trabalho dele, e não ser afetado. Seja através da caneta caótica, da estética visual cyberpunk ou da sonoridade futurista, o som do rapper te leva para um caminho longe da inércia.
No final de 2018 Vndroid lançou seu primeiro álbum de estúdio “Dopamina”, um trabalho que segundo ele, levou quatro anos para ser finalizado, e resultou em um produto final que agrada muito o rapper: “pouca gente para pra ouvir um álbum conceitual assim de um artista que ainda não conhece”.
Dois anos depois do primeiro álbum, Vndroid chega em 2020 com uma sequência frenética de lançamentos, mantendo um alto nível de produtividade, e qualidade nos seus trabalhos, mesmo nesses tempos difíceis de pandemia. Entre os meses de março e julho o rapper lançou quatro singles: “24/7”, “Pq tão sério?”, “Cuidado Crianças” e “Helena”, seu mais recente lançamento. Além de soltar também o clipe da faixa “Meu Tempo”, do seu primeiro álbum.
Em seu trabalho a saúde mental é um tema ao qual Vndroid sempre retorna, explorando muito bem as complexidades, e a importância desse assunto. O rapper comenta que manter a produtividade em tempos de pandemia tem feito muito bem para ele agora, mas no começo da quarentena, nem tanto. “No primeiro mês da quarentena eu entrei numa nóia de que tinha que aproveitar o tempo em casa pra produzir o máximo possível, mas eu tava trocando dia pela noite e ficando ansioso demais. Mas, com o tempo, estabeleci uma rotina, comecei a acordar mais cedo, respeitar o final de semana e a noite como momentos de relaxamento, e foi tudo pegando um ritmo tranquilo mas constante. Devagar e sempre é realmente a melhor estratégia no longo prazo pra qualquer coisa”.
Em seu último lançamento, “Helena”, Vndroid fala bem sobre uma realidade de constante busca por liberdade, experiências estimulantes e diferentes, que no final das contas são apenas uma frustrante repetição disfarçada de novidade. Nesse momento em que estamos lidando com um isolamento social de proporções globais, que limitou nossos contatos físicos, e fechou a gente em bolhas ainda mais individuais, as questões abordadas na letra, ganham ainda mais força e significado.
“Por um lado, a música é sobre uma época em que eu tava saindo quase todo dia, com pouco dinheiro, conhecendo gente nova, o que não é o caso agora. Mas por outro lado, no fundo, a música é mesmo sobre isolamento, como esse que estamos agora. Ironicamente, eu tenho me sentido muito menos isolado nesses últimos meses do que quando escrevi Helena, no começo de 2019. Sei lá, quando você também aceita a solidão, de forma positiva, para pra se escutar, ir atrás do que você realmente se importa, você se sente bem melhor do que quando você tá indo de um lado pro outro puramente por carência”.
Na parte visual “Helena” também recebeu um cuidado especial de um time de peso, formado por Gabriel Nasser, Max Chagas e Micael Guedes, ressaltando a importância sempre presente da estética visual nos trabalhos do Vndroid. O rapper conta que fez faculdade de Rádio e TV com Max, Gabriel e Micael, e assim nasceu essa amizade, em grande parte, por causa dos interesses musicais em comum e pela vontade de fazer videoclipes. “Eu realmente não sei o que seria do meu trabalho se não fosse pela parceria com eles. Hoje em dia, os videoclipes são quase que uma necessidade pra qualquer artista que faça música, mas existe uma diferença grande entre fazer clipes só pra acompanhar a música e criar clipes que realmente têm, cada um, uma proposta própria que dialoga com a música e acrescenta significado a ela, que é o que acho que conseguimos fazer”.
Além do cuidado visual, Vndroid também tem uma forte presença na produção musical dos seus lançamentos, e em “Helena” não foi diferente. “Eu faço tudo em todas as minhas músicas. Ultimamente tenho tentado me abrir mais pra participações de outros produtores ou cantores, mas pra mim, desde o começo, meu processo criativo passava por enxergar as músicas como uma coisa só. Na maioria dos meus trabalhos, não tenho um beat e um rap feito em cima dele, mas sim uma música em que tudo é pensado junto”.
O rapper comenta que seu trabalho com produção é um processo de várias fases que vão se alternando de forma meio caótica. “Normalmente começo pelo instrumental, mas antes de ter ele pronto começo a fazer a letra, depois vou mexendo no beat de acordo com o que a letra dita pra música, e então vou mexendo na melodia da minha voz pra encaixar melhor no caminho que a música toma, é um processo com muitas idas e vindas. Também tenho fases em que fico meio travado pra escrever coisas novas, então acabo aproveitando esses momentos pra focar em outras etapas da produção. Apesar de trabalhoso esse processo acaba compensando, porque o produto final resulta em um som mais coerente e original, ao meu ver”.
Com características sonoras, visuais e de interpretação muito próprias, Vndroid está sempre buscando novas referências e influências para sua arte. “São muitas fases diferentes pelas quais passo e às vezes, no processo de criação de um mesmo grupo de músicas vou mudando minhas influências e adotando elementos de cada uma delas de forma diferente em cada música. O Tyler, The Creator, foi com certeza a maior influência que tive e que, ao longo das várias fases que ele próprio teve, me influenciou já de várias formas em todos os aspectos da minha música”.
Alguns outros artistas têm uma influência mais direta sobre a sonoridade e construção dos instrumentais do Vndroid. “Crystal Castles, Death Grips, Kanye West, Arca, Gorillaz, enquanto outros artistas me inspiram mais no aspecto lírico, como o NiLL, Baco Exu do Blues, Diomedes Chinaski, Belchior, Edgar. Aliás o Edgar é um dos artistas com o qual mais me identifico no geral hoje em dia, que também traz uma proposta muito única lírica e sonoramente”.
Dentro do Trap, especificamente, Vndroid comenta que tem muitas referências nos trabalhos de Yung Buda e Lil Peep, na cena do EmoTrap, além de artistas menores do underground, muitos deles amigos ou conhecidos. “Acho que, mais importante do que falar de X ou Y artista, é que eu me inspiro em conceitos. A estética do Cyberpunk, do Vaporwave, do futurismo distópico no geral, me influencia muito. Também tenho buscado muita referência em bandas de Metal Alternativo dos anos 90 e 2000, que eu ouvia mais novo, principalmente naquelas que trazem elementos eletrônicos pra música. E o Trap é o contexto em que jogo essas diversas influências e que conecta todas elas”.
E ainda temos muito mais para esperar do Vndroid para esse ano. “Desde que começou a quarentena também estou finalizando outras músicas que estavam inacabadas e gravando uns clipes caseiros que acho que estão ficando também ótimos, apesar das restrições. Mês que vem já sai o primeiro desses clipes: ‘Eu não sei o que eu quero’”.
O mais recente lançamento “Helena”, e outros sons do Vndroid estão disponíveis no YouTube e Spotify.