Atualizado: 19 de Jun de 2020
por Gustavo Silva
Diego Augusto dos Santos, Tiago Fattah e Diego Machado dos Santos, mais conhecidos como DGO, FATTAH e Diego MP3, respectivamente, são os responsáveis pela criação do trio Trinca Ferro. A formação recente já vem acompanhada de um lançamento extremamente original que lança luz sobre as características que tornam esse trio tão interessante, e que merece um olhar mais atento para sua arte.
Com o anúncio de um EP de três faixas, que leva o nome do próprio trio como título, o Trinca Ferro liberou para o público no dia 11 de junho o canto que anuncia a chegada do grupo, a primeira dessas músicas, “Sorta os passarinho pelo amor de Deus”. Conversamos com DGO, o MC de 28 anos natural de Paraisópolis/MG, sobre esse primeiro lançamento, e a própria formação desse trio tão importante e promissor para a cena do rap mineiro.
O início do Trinca Ferro teve origem em uma temporada que o Diego MP3, beatboxer de 33 anos natural de Carapicuíba/SP, passou na cidade de Paraisópolis:
“Ele chegou a morar um tempo aqui antes de se mudar para a Finlândia e no retorno dele para Paraisópolis marcamos um rolê em Pouso Alegre, no Fat Monkey PUB, foi um rolê naipe, o Fattah [rapper de 34 anos, de Três Corações] chegou conosco, o grupo de rap Los Carçudos de P.A. também se apresentou nessa noite. Após o show estávamos trocando ideia e o Fattah colou com a gente pra Paraisópolis pra dar uma carona e sempre com aquela disposição de trampar (haha caboco brabo!)”.
Inicialmente o trio tinha a intenção de gravar, mas nenhum planejamento de quais e quantos sons sairiam. Encontraram então no EP o formato mais viável para propagar essas tracks captadas em três dias:
“Na vinda [para Paraisópolis] liguei o mano Iago Dias [produtor musical de 27 anos], já tínhamos trampado junto numas track e manjava que ele vinha estudando produção musical há uns anos. Produtor brabo que nos recebeu na casa dele e gravou vários instrumentos nas primeiras duas tracks, beatbox e rima. Além da produção musical, esse mano tem grande responsa nos resultados!”.
Para simbolizar o nome desse trio, e do projeto já em desenvolvimento, buscando retratar a ZR (zona rural) e a natureza, veio o nome Trinca Ferro, o mesmo de um dos pássaros silvestres mais apreciados e caçados pelos brasileiros, especialmente pelo seu belo canto:
“Pensamos em alguns outros, mas esse retrata bem o momento! Pessoalmente também fazia tempo que utilizava ‘trinca ferro’ para chamar os mais próximos que atuam na cultura hip hop, sempre achei o nome do passarinho bem louco, aí já tinha jogado ele na letra e foi juntando as ideias que chegamos nesse denominador comum”.
E as referências à natureza, às aves e à região mineira estão inseridas também no conteúdo do trabalho desenvolvido por esse trio. Na primeira faixa liberada do EP, o pedido trazido no título “Sorta os passarinho pelo amor de Deus” reverbera o sentimento de busca por liberdade e autonomia na arte.
Logo na introdução, já identificamos na faixa um sample de viola sertaneja acompanhada por versos da dupla mineira da década de 50 Silveira e Barrinha, o que nos remete a um forte sentimento de regionalidade, que deixa claro o peso da cultura, das vivências e do cotidiano mineiro no trabalho do Trinca Ferro, mais especificamente nesta nova faix:
“Ter colocado essa colagem do Silveira e Barrinha foi algo que encaixou muito bem por diversos fatores; as colagens já estavam em mente pois remete aos passarinhos e também porque este disco foi um achadão nos vinis que minha avó colecionava. Desde que avistei essa faixa no vinil, eu curtia muito fazer uns riscos nas frases desse canto falado, justamente esse toque regional que deu uma característica inata ao som, tanto que até parece que é da música mesmo. Nessa mesma faixa ainda tem muitas colagens boas para se utilizar, talvez em breve teremos mais Silveira e Barrinha nos rap da ZR”.
Na visão do MC de Paraisópolis, propagar essa cultura regional é um compromisso.
“A sigla ZR veio mesmo com essa proposta de explicitar muitas das nossas vivências que passamos no interior do terceiro mundo, e não precisar estar em grandes capitais para que possamos fazer bons trabalhos”.
A faixa traz também a ambiguidade que a vida das aves representa: quando engaioladas, simbolizam a mais triste das prisões; quando soltas, o significado mais pleno de liberdade. Nesta faixa a gente vê nos versos a alusão a diversas espécies de pássaros: o beat composto pelo Diego MP3 com vários cantos de aves ao longo da faixa e os versos de Fattah falando sobre liberdade e a beleza da independência.
Adaptando para o atual contexto das condições humanas e das vivências artísticas, a relação entre gaiola e liberdade tem um cuidado especial neste primeiro lançamento:
“Esta faixa trata de diversos assuntos e a relação com a gaiola vem a ser o tema principal pelo refrão que o Fattah tinha nos apresentado. Esse paralelo entre prisão/liberdade pode ser adaptado para vários pontos de vista, pois estamos no meio de uma pandemia causada pelo Covid-19, que nos faz pensar muito sobre o confinamento! Gravamos essas tracks no final de novembro de 2019, e até então o vírus não estava presente ainda. Nessa mudança que estamos passando, ficamos com várias questões a serem indagadas, pois acredito que temos diversos momentos em que a liberdade não se aplica. Por exemplo, estamos à mercê de um vírus que nos encerra em nossas casas mas por outro lado, existem pessoas em situação de vulnerabilidade que sequer tem a possibilidade de se proteger ou até mesmo ter um lugar chamado “casa”
Vemos que a liberdade é confundida com livre arbítrio, e muitas vezes ela existe apenas para quem consegue desfrutar de uma vida desprendida das amarras sociais, econômicas e políticas, coisa bem difícil com esse mundão virado. Mas se a gente caminhar pelo campo da arte, a liberdade é essencial para a criação, seja em qual for o segmento. Portanto, se LIVRE das gaiolas!”.
O EP “Trinca Ferro” será disponibilizado nessa próxima semana no Youtube da Straditerra.