Em sua primeira mixtape, ANABYA combina sua identidade e história, com sua versatilidade artística em um grande projeto.
por Gustavo Silva
Com uma trajetória na música, que já conta com o lançamento de ótimos singles e EPs de sua autoria, que já apresentaram algumas de suas características mais fortes para o público ao longo desses anos de caminhada, a artista ANABYA chega agora com a sua primeira mixtape “Andarilha do Tempo”.
Apresentando um trabalho consideravelmente maior do que os outros projetos já lançados pela artista, o lançamento dessa mixtape de 17 faixas traz um significado importante para ANABYA e para o seu momento na carreira, escolhendo esse formato de lançamento que aposta em um grande número de faixas que exploram diferentes vertentes e potências da sua arte nesse grande projeto.
“Persisti na criação desse projeto por uma necessidade de fortalecimento, porque como artista realizar uma obra é como se transformar, transmutar e resistir, sabendo que nosso corre muitas vezes não dá espaço pra criações livres e espontâneas, eu sabia que seria difícil realizar nesse momento, eu sabia que precisava fazer acontecer, porque eu tô contando minha história, gritando por justiça, abrindo minhas feridas, falando de afeto e pra isso tem que ter muita coragem também. Esse é o significado de caminhar pelos tempos, aprender o tempo todo com o medo e com a coragem pra que nossas verdades não sejam silenciadas. Sendo meu corpo, um corpo espiritual e coletivo, entende-se que, mesmo que eu esteja falando sobre mim, minha família, meu modo de ver o mundo, eu também tô falando de muita gente. A quantidade das faixas foi se formando durante o processo, e fui respeitando isso mesmo que o número fosse ficando grande. A princípio até estranhei, mas dentro da minha liberdade de expressão optei por construir dessa forma, porque é como senti que iria compor melhor todo esse momento de vida e carreira.” – ANABYA
Em “Andarilha do Tempo”, ANABYA traz destaque para os seus diferenciais artísticos, em especial a sua escrita, que foi apresentada nessas faixas de várias formas e com diferentes pesos. Em momentos, a artista traz uma escrita carregada de versos mais diretos, críticos e rasgados fortalecendo a sua imagem de MC. Por outras vezes, combina cantos suaves, refrões fortes e muita poesia junto à sua performance mais cantada, combinando diferentes facetas artísticas na hora de transmitir essas identidades para o papel e de lá criar as suas performances vocais.
“Eu sinto que é orgânico pra mim essas criações porque elas nascem de um lugar verdadeiro dentro de mim, que é a necessidade de pôr pra fora, de cantar daquele jeito, de expressar aquela sensação, e respeitando a ‘forma’ que saia porque durante esses momentos que tô criando, boto muita fé nas coisas que saem espontaneamente, acredito que é a alma, a criança, a essência falando. Então muitas das criações eu registrei só o canto, só o flow, ou só a escrita, e vou montando o quebra cabeça, em outros momentos vai tudo de uma vez, a levada e a melodia, enfim, nada dentro de um script, porque tamo falando de vida né? Assim como são muitos atravessamentos, sinto que preciso expressar de formas não idênticas ou similares, mas só do jeito que se é.” – ANABYA
Através da potência da sua caneta e do seu canto, essa mixtape narra temas essenciais de serem pautados, especialmente pelo meio cultural. Como andarilha do tempo, ANABYA fala sobre questões do passado e do presente, que estão impactando diretamente os dias de hoje e definindo a cada segundo o que será do nosso futuro. A artista aponta temas políticos e ancestrais com urgência, pautando sobrevivência, família, identidade, história, colonialismo, território, afetos, resistência e arte. Do amor à luta, os temas se encaixam em uma mesma busca por vida, direitos, conquistas e liberdade, explorando questões essenciais que também fazem parte da trajetória pessoal e artística de ANABYA.
“Esses temas só foram explorados porque vivi eles e me atravessaram de tal forma que precisei criar essa mixtape. O fato de ter passado a vida toda me mudando de casa e cidade com a minha família, procurando o melhor lugar pra ter o mínimo de dignidade, já é o suficiente pra entender os traumas, as dificuldades que ainda estão presentes, mas também as alegrias e de onde vem minha força. Quanto mais conto minha história mais percebo como é a história de muitus outrus e como tudo isso é parte de um plano colonial mesmo, de exterminar memória, cultura e bem viver. Mas a memória que tá nessas vivências, na oralidade de mainha, de voinha, das primas e tias, é o que venceu o etnocídio, eu viva e com coragem pra abrir meu peito artisticamente, é o que vence o pensamento colonial, e todas as vivências traumáticas. É um mix de dor e força.” – ANABYA
Esse grande projeto também contou com outras mãos, canetas e vozes para criar faixas impactantes com essa narrativa poderosa. ANABYA trouxe influências e parcerias nessa mixtape, que se encaixaram muito bem artisticamente, potencializando as temáticas apresentadas, assim como as performances artísticas de todos os envolvidos no trabalho.
“Houve uma relação de conexão e identificação em vida antes de ser uma colaboração pela colaboração, entende? Desde us artistas, produtoris até os cantoris/rappers, nos encontramos de maneira genuína, trocando nossas histórias, nossas vontades de gritar alguma coisa, ou até mesmo sussurrar, partiu de uma vivência partilhada, uma mútua admiração. E essas ‘escolhas’ foram bem orgânicas também, só acontecendo e a intuição guiando o resto. Eu sou muito grata a essa troca entre todes que fizeram parte (isso porque ainda estamos só falando da parte musical hahahaha) porque fui transformada nesses encontros e demais fortalecida.” – ANABYA
A ambientação sonora que envolve todas as faixas da mixtape é extremamente cativante, com um grande trabalho carregado de produções cheias de identidade com batidas fortes combinadas a elementos diversos ligados às raízes da artista e a diferentes gêneros musicais, repletos de referências e cantos indígenas, em faixas que vão do Trap ao Boombap, pro R&B, até uma pegada mais Pop mantendo uma forte originalidade em toda a mixtape, com sonoridades que criam um ambiente bem coeso, encaixando muito bem sonoramente todo o trabalho.
“A parceria com o Tiago [Polar] foi o que deu início a todo projeto, que inclusive achei que inicialmente seria algo só entre nós, mas como disse antes, as coisas foram acontecendo e eu sentindo e respeitando seu curso. Fui entendendo que seria algo maior e comecei a pensar nas pessoas que, de certa forma, falam minha língua nas produções. Alguns beats chegaram espontaneamente e eu sentia que era do projeto e ponto final hahahaha, outras eu fui solicitando diante daquilo que o coração pedia no momento. Foi uma construção muito gostosa, porque é uma delícia ter uma batida que contemple minha expressão, assim como é pra elus ter alguém que se envolve com suas criações tão genuinamente. Algumas faixas já existiam e não eram do projeto, mas eu entendi que se encaixava e que precisava tá ali compondo a obra.” – ANABYA
Com o lançamento do primeiro single que apresentou esse trabalho, ANABYA já trouxe um cuidado visual para a mixtape, através de um lindo clipe que explora também as suas práticas artísticas e conhecimentos enquanto atriz, agregando um novo valor e cuidado ao trabalho.
“Eu tenho muita sorte de ter próximo a mim, pessoas tão talentosas e coletivas, pessoas que pude me abrir e falar desse projeto com meu coração, e fui abraçada. Toda construção visual foi coletiva, com muita, mas muita conversa mesmo, porque manifestar visualmente tanta coisa assim é desafiador, mas apesar das dificuldades do caminho, me senti contemplada com o que realizamos. Na capa, tá ali expresso o resumo da obra, assim como os visualizers. O mini doc que vem depois da mixtape é uma proximidade com esse processo e dá uma dimensão mais íntima do projeto.” – ANABYA
A mixtape “Andarilha do Tempo” já está disponível nas principais plataformas de streaming.
“Eu queria relembrar os nomes das pessoas que se envolveram nesse trabalho, porque por trás desses nomes tem a vida de cada ume, a correria e a história, e que eu me sinto abençoada de ter tido a oportunidade de trocar e de tê-los agregando num projeto que aparenta ser ‘meu’ mas que depois disso tudo se torna nosso, e depois de lançado, mais nosso ainda. Tudo isso pra frisar que, absolutamente nada é feito individualmente, nem um nascimento, nem uma morte, nada. Precisamos o tempo todo de pessoas e isso não é vergonha, é a saída do beco que aparentemente não tem saída. Podem haver muros mas nós batemos asas e damos um jeito, e coletivamente isso é verdadeiramente possível. Awe aos ancestrais, cada um deles, awe todes andarilhus do tempo, awe à equipe Strads, awe aos ouvintes, awe à vida que se renova e resiste, awe às encantarias presentes em cada frase e batida desse projeto. é tudo nosso e o que não for nois retoma!” – ANABYA
Fotografias por:
@isakatupyryb (capa / contracapa)
@elizalvesss (analógicas / meio da matéria)