Reunindo mais uma vez a família Tetriz, Matéria Prima destrincha sua caneta afiada nas batidas do Goribeatzz com participação de Ramiro Mart em novo lançamento
por Gustavo Silva
A cultura Hip-Hop é permeada ao longo da sua história por inúmeros grupos de enorme importância para a evolução e perpetuação da cultura através da união de grandes MCs, DJs, produtores, beatmakers, dançarinos e artistas visuais criando e produzindo juntos em prol de uma mesma essência e movimento cultural.
As formações de grupos de Rap são capazes de elevar o máximo potencial de cada membro, destacando suas particularidades e fortalecendo sua conexão através de um pensamento e atuação criativa coletiva.
Família brasileira
No Hip-Hop, o Brasil foi e segue sendo um solo efervescente para o surgimento de grandes grupos de Rap, tidos por muitos como os mais relevantes de toda a cultura por seu impacto dentro e fora da música.
Hoje falamos por aqui de alguns nomes que fazem e seguem fazendo parte da formação de grandes exemplos dessa construção coletiva, como Matéria Prima, que fez parte das formações de grupos clássicos como Quinto Andar e Subsolo ao lado de outras relíquias do cenário nacional. Mais tarde, em 2017, a dinâmica do trabalho em família voltou para a trajetória de Matéria Prima, quando se viu ao lado de outros dois grandes expoentes da cultura nacional: Ramiro Mart e Goribeatzz, que juntos, deram surgimento a um novo e revigorante grupo de Rap: o Tetriz.
Hoje, o trio conta com 4 álbuns lançados em uma dinâmica que trabalha as canetas afiadas de Matéria e Ramiro, nas produções únicas de Gori, em uma estética sonora que abusa da identificação com tecnologias e jogos, produzindo algo totalmente original e carregado de identidade até hoje. Por essas e outras, que ver os nomes desses artistas juntos em um projeto, é capaz de despertar a empolgação ou no mínimo o interesse de qualquer amante desta cultura.
Outra fase
Com o último álbum de estúdio lançado em 2021, o Tetriz buscava retornar com um novo projeto em 2023, mas as ideias iniciais tiveram de ser remanejadas com o nascimento do filho do Ramiro, que requer a merecida atenção do artista, impossibilitando um foco completo em um projeto neste momento.
Assim, Matéria Prima assumiu a caneta que, alinhada às produções do Gori, à sempre presente participação de Ramiro e aos visuais de Leandro Lassmar, que assinou as capas de todos os projetos do grupo, deu nascimento ao álbum “No Intervalo do Fim”, um trabalho autoral de Matéria Prima e Goribeatzz com todo o espírito do Tetriz.
“Primeiramente, queria agradecer o espaço e a pesquisa que vocês fazem do Rap fora do radar! Curiosidade: esse disco começou a ser feito antes do EP que eu fiz com o Imane Rane, “De Manhã”. Eu comecei a escrever inicialmente pra ser um projeto do Tetriz, por isso o Lassmar é uma parte do projeto, sem dúvida, ele é o quarto membro do Tetriz. Além de fazer as capas pros nossos discos, foi ele que fez o beat pra esse som aqui. Mas o Ramiro Mart, o outro MC do projeto, teve um filho e aí não podia dividir sua atenção com o trampo. Daí o fluxo das ideias tava favorável e eu deixei a caneta levar. A gente ainda esperou um pouco pra ver se o Ramiro conseguia chegar, mas aí não deu hehehe. Na real, respondendo sua pergunta, esse trabalho devia se chamar Tetriz apresenta: Matéria Prima!” – Matéria Prima
Entre parcerias, canetas e batidas
Mais uma vez, com Matéria Prima e Gori fechando um trabalho juntos, de canetas e batidas que se combinam e potencializam ao longo das 11 faixas, o álbum é carregado de produções que destacam muito bem o Boombap, criando ambientes sonoros que remetem aos Raps clássicos do Tetriz, mas também combinam e se apropriam de sonoridades atuais, como já é característica da sonoridade do grupo, em mais um acerto para a biblioteca de produções que o Gori nos entregou ao longo da sua trajetória como produtor, assim como as exemplares canetadas do Matéria que seguem trazendo sempre um diferencial para a atuação do MC.
“Eu, Gori e Ramiro temos uma química muito boa, mas na pandemia a gente deu uma afastada e nesse ano voltou a pensar numa possibilidade de fazer mais um disco. Daí o Gori mandou uma tonelada de beats e a gente começou a pescar. Lembro que a primeira linha que saiu quando a gente decidiu fazer o trampo foi a da música “É de Lei”: “1, 2, 1, 2, teste, teste…”. E aí a caneta foi chamando, e como eu e Ramiro dividimos os versos, fiquei ali no aguardo. Mas como ele teve a cria e tava muito ocupado, eu chamei a responsa de fazer o trampo e não deixar morrer. Fora isso, eu já tinha dois sons feitos na pandemia: “Pra Onde Vou” (com a nabru e a 1LUM3) e o “Acendendo a Chama” (com o Gato Congelado e o DJ Mako). Então já tinha começado ali. Eu meio que fiz o “De Manhã” e o “Intervalo” juntos. E o Gori tem uma pesquisa e ousadia pra fazer os beats que instigam minha escrita desde sempre” – Matéria Prima
“Meu nome é Matéria Prima
Minha vida é uma delícia
Meu filho me orgulha
Tenho trauma de polícia”
Matéria Prima – Meu Nome É
Mantendo algumas características do seu último trabalho, neste novo lançamento, Matéria trouxe na caneta poderosos refrões e versos, combinando suas visões sobre arte e suas finalidades, sobre sua trajetória, sobre fazer Rap, sobre suas relações, obstáculos e conquistas ao longo desse caminho e também sobre Brasil.
“Os beats do Gori foram puxando os assuntos. Tinha algumas coisas que já tinha escrito e outras que pediram atenção no processo. E uma coisa que sempre tento fazer é trazer um elemento que se destaca de tudo o que é feito nos meus trabalhos. Eu tento trazer um pouco mais de irreverência pro trabalho. A gente vai envelhecendo e vê que tem muito tempo pra ficar sério depois de morrer, como disse um ator numa peça que vi há uns anos atrás, e é um desafio porque meus trabalhos sempre foram muito introspectivos, ainda que virar essa chave seja um processo natural. E os discos vão se organizando ao longo do processo. E como todo bom disco, a intro é a última coisa a ser feita. É parecido com o processo de passagem de som num festival: a última banda a tocar chega mais cedo no dia e testa o som primeiro” – Matéria Prima
Além da família Tetriz, esse álbum traz feats de muito peso que engrandecem o trabalho como um todo, através de nomes como nabru, 1LUM3, Gato Congelado e DJ Mako, escolhas de grande importância que são nomes que também já fazem parte da trajetória do Matéria Prima.
“Como tinha dito antes, duas faixas já tavam prontas, mas ainda não tinha certeza se iam fazer parte dum projeto ou se iam ser lançadas como singles. O tempo foi passando e os sons ali guardados pra entender o processo. Eu, Gato e Mako já tínhamos um trampo que vem da época do Quinto Andar e do Subsolo. nabru e 1LUM3 eu conheci em 2018, e tivemos a chance de trabalhar no meu disco “VISÃO”, de 2020, produzido por niLL, O Adotado. Essas parcerias vão sempre ter um espaço no meu trampo quando o trampo tiver a ver com o trabalho delas também, ou se sentirem confortáveis com a proposta. Além disso, todo mundo é parça hehehe!!” – Matéria Prima
Produtividade x Produto
Além de despertar a atenção para a alta qualidade desses artistas individualmente, a união da família Tetriz nos faz refletir também sobre o momento de alta produtividade vivida por cada um. Esse álbum vem na sequência do EP “De Manhã”, do Matéria, que saiu em julho; enquanto o Gori vem na sequência de outro trabalho lançado no início do ano; e Ramiro como sempre trampando em tudo.
Acompanhando esse projeto, podemos refletir sobre como os artistas sentem a produtividade nesse embate entre lançar novos projetos como resultado da sua criatividade, atendendo à sua vontade artística individual, mas também atendendo a uma necessidade mercadológica, que obriga uma alta presença e produtividade artística, alimentada pela lógica industrial das redes sociais e plataformas de streaming.
“Olha, é complexo: existe uma vontade de fazer muitos trabalhos sem que ele precise das formas de engajamento pra chegar até o ouvinte, de forma orgânica, dando mais ênfase à música. Por outro, tem que fazer valer o suor e tentar se alinhar às exigências mínimas de mercado. Mas tudo depende de estratégia, grana e parcerias. Eu tenho o talento e a sorte de ter a ajuda de alguns amigos como o RR (que inclusive lançou um trampo chamado Parresia esse ano), que faz umas peças gráficas e vídeos pro insta, as incríveis resenhas do meu mano Danilo Cruz do site Oganpazan e a força do meu mano Rômulo Spuri, do Selo Strads, que me ajuda no impulsionamento e nas burocracias do estranho mundo da música hehehe! Mas a grana pra assessoria e outras ferramentas é mais difícil. Vai das escolhas que a gente faz também: entre ser produto e ser produtivo. Não tenho muita escolha além de ser mais produtivo do que ser produto. Tem uma diferença… mas sigo procurando um equilíbrio” – Matéria Prima
O álbum “No Intervalo do Fim” já está disponível nas principais plataformas de streaming. Continuem acompanhando os artistas Matéria Prima, Goribeatzz e o próprio Tetriz nas redes e plataformas para não perderem grandes lançamentos desses nomes históricos para a nossa cultura Hip-Hop.
“Obrigado mais uma vez pelo espaço! E ouçam “No Intervalo do Fim”! Ouçam “De Manhã”! Ouçam Matéria Prima! Sigam no Instagram e Spotify! Paz!” – Matéria Prima