Irmãos de sangue e arte, R1dh e Jay Kaneel trazem protagonismo aos instrumentais e apresentam evolução lírica com segundo EP lançado pela dupla
por Gustavo Silva
No mês de junho de 2020, os irmãos paulistanos R1dh e Jay Kaneel (na época Ridh Pacífico e Kneel Absorto) lançaram o seu primeiro projeto musical juntos, com o EP “Mochila Vazia”. Na época, eu tive a oportunidade de trocar uma ideia com o R1dh para saber um pouco mais sobre como foi a produção desse EP, sobre a experiência de lançar um projeto com o irmão, e todo o contexto por trás deste primeiro trabalho da dupla.
Neste primeiro EP, os irmãos desenvolveram todo o trabalho durante o período da quarentena, em um espaço de um mês e meio, entregando quatro faixas que já apresentavam muito bem a capacidade lírica e de escrita dos irmãos, tanto individualmente quanto juntos, completando faixas muito bem com suas entregas fortes, em um trabalho que trás o protagonismo do Lo-Fi nos instrumentais, combinando samples e a uma primorosa identidade underground na sua forma de fazer arte.
Passados dois anos e meio do seu primeiro lançamento juntos, os irmãos se reúnem novamente para expressarem sua arte, suas visões de mundo e contarem suas histórias e vivências juntos no segundo EP da dupla “A Última Sombra”. Se a palavra que melhor descrevia o primeiro lançamento dos irmãos, em 2020, era “identidade”, a palavra que melhor define o segundo trabalho da dupla é “maturidade”.
Em um trabalho que totaliza pouco mais de 20 minutos de audição, R1dh e Kaneel trazem um EP que apresenta um destaque muito forte para os instrumentais trabalhados com muito cuidado e harmonia, combinando batidas e elementos do Boombap em uma estética ainda mais Lo-Fi, criando novas formas e caminhos para se navegar neste amplo universo sonoro.
Tudo isso vem acompanhado de uma entrega única dos MCs, com letras cotidianas e vivências reais, trazendo identificação e conexão em seus versos ao longo de todo o EP, que foi produzido na casa dos irmãos e exibe muita maturidade de ambos, tanto em relação à arte quanto ao mercado.
“Conforme o tempo foi passando eu fui desenvolvendo a capacidade de me ver na indústria, mesmo sendo um artista que veio do Lo-Fi. Mas esse projeto não representa só isso, ele diz muito mais sobre as fases que vivi no ano de 2021 pra cá. E 2021 foi um ano difícil para todos, quem dirá pra nós que somos artistas, porém entre decepções e conquistas conseguimos fazer algo que traz orgulho porque é um projeto que representa muito a dificuldade de ser e fazer arte”, publicou Jay Kaneel nas suas redes sociais.
Vamos então a um breve faixa a faixa deste segundo, e ótimo, EP dos irmãos!
1 – NÃO ME PERCEBO
Escrita e interpretada pelos dois MCs, a faixa que abre o EP traz uma sonoridade de Jazz numa pegada brasileira, remetendo até a uma Bossa nova, com um loop contagiante de metais e cordas, muito bem acompanhados por uma bateria cadenciada, em um belo trabalho de Jay Kaneel, responsável pela produção, mixagem e masterização de todo o EP.
Nas letras, a primeira faixa coloca em pauta a necessidade de se conversar com outras pessoas, a importância de desabafar em uma atmosfera calma criada por esse Boombap Lo-Fi dos irmãos.
Kaneel abre muito bem as rimas do EP com uma boa levada combinada a uma primeira amostragem muito positiva da sua caneta neste trabalho, acompanhado pela primeira aparição também de R1dh, que traz uma entrega mais experimental com uma interessante variação de flows e explorando muito bem sua capacidade lírica, entregando sua rima mais longa no trabalho e fechando muito bem a faixa de abertura do EP.
2 – A ÚLTIMA SOMBRA
Novamente com letra e interpretação dos dois irmãos, a segunda faixa do EP carrega o nome do trabalho e mantém a forte identidade instrumental do EP, iniciando com um loop de piano combinado com um trompete que prendem os ouvidos logo nos primeiros segundos da faixa e assim seguem até o encerramento com uma virada de beat acompanhada por uma ótima linha de baixo, colocando o instrumental com papel de grande destaque nessa faixa, assim como ocorre com o EP inteiro.
Nos versos essa música retrata o ciclo vicioso e a incerteza de um último dia de vida, repetindo a maioria de nossas ações, acreditando na mudança, ainda que pareça distante ou inexistente.
R1dh abre bem esta segunda faixa (que é a minha favorita do EP) e conduz um refrão interessante que complementa e diversifica muito bem sua entrega. Em sequência, Jay Kaneel entrega um de seus melhores versos em todo o EP, trazendo uma caneta muito forte e completa liricamente, fazendo subir muito o nível da faixa e mantendo o EP em um nível muito alto e crescente.
3 – EU ERA SEU DJAVAN
Encerrando a primeira metade do EP, a terceira faixa quebra um padrão repetido até aqui, apresentando uma música escrita e interpretada apenas por Kaneel, além de quebrar a sonoridade introspectiva apresentada até o momento, em um beat mais acelerado com um contagiante loop de corda remetendo a sonoridades latinas acompanhadas por uma colagem de um verso em espanhol que começa e termina a faixa.
Rimando sobre o sentimento de arrependimento de se doar para alguém que se tem um certo afeto ou paixão, Kaneel traz uma boa entrega em seu verso solo nesta que é a menor faixa de todo o EP.
4 – PELAS RUAS DO DANFER
Retomando a escrita e interpretação dos dois irmãos, a faixa que abre a segunda metade do EP leva a dupla para as suas raízes logo no nome, que faz referência ao bairro Jardim Danfer, na Zona Leste de São Paulo, onde os artistas nasceram e cresceram.
Para explorar bem esse sentimento nostálgico, a faixa traz um Boombap clássico que se inicia com um marcante loop de piano que apresenta algumas interessantes variações ao longo da faixa e dá o tom introspectivo, reflexivo, pessoal e nostálgico que a faixa vai explorar nos versos dos MCs.
Ressaltando a importância da música Rap na vida dos MCs, mesmo com todas as dificuldades que se passam no decorrer das vivências e da carreira, Kaneel inicia as rimas com uma levada consistente e uma caneta que traz versos com muita identidade além de carregar um refrão com muita originalidade, complementando muito bem a faixa.
Em sua parte, R1dh mantém a vibe nostálgica e pessoal, refletindo sobre sua trajetória e vivências pela Zona Leste de SP finalizando muito bem essa faixa que eleva novamente o nível do EP.
5 – JESUS CHOROU DE NOVO
A energia melancólica segue a ocupar essa reta final do EP em um instrumental que mistura elementos de Lo-Fi, Boombap e Trap, com um belo trompete que ressalta a ambientação introspectiva do trabalho que faz referência à clássica “Jesus Chorou” dos Racionais MCs (grupo que é referência para a dupla) e que também traz essa energia mais reflexiva e pessoal.
Falando sobre lutas e dificuldades, as rimas de R1dh abrem a faixa com uma entrega de bons versos, com ótimos esquemas de rimas, que exploram toda a capacidade da sua caneta. Em sequência Kaneel assume o mic trazendo sua melhor entrega no EP no seu verso mais longo, com escritas pessoais, fortes e que exploram muito bem as características mais fortes da caneta do artista e de sua entrega lírica.
6 – PELO O QUE VALE A PENA
A última música do EP apresenta um resumo de como os irmãos se sentem através daquilo que buscam no dia a dia e na sua trajetória com a arte. Iniciada com um áudio de um amigo de Jay Kaneel ressaltando a grandeza do artista, a faixa vem acompanhada de uma bateria bem marcada e instrumentais discretos, calmos e ambientais que dão mais espaço para a bateria e a voz dos MCs que fecham o EP em destaque com versos muito bem escritos.
R1dh se destaca com mais uma referência ao grupo Racionais, citando trechos de “Negro Drama”, com uma caneta muito original e novamente pessoal que eleva muito a faixa em mais uma ótima entrega encerrando sua participação no EP em alto nível. Para fechar o EP, Kaneel traz versos que talvez sejam os seus mais pessoais em todo o trabalho, nesta faixa que é a mais longa do EP e que encerra muito bem este segundo trabalho em conjunto dos irmãos.
Esta foi só a nossa breve visão sobre a bela história construída pelos irmãos R1dh e Jay Kaneel em “A Última Sombra”, o segundo EP da dupla, que representa um marco evolutivo muito grande e positivo para ambos os artistas e para a dupla como um todo.
O EP já está disponível nas principais plataformas de streaming!