Por Gustavo Silva
Salve família Straditerra! Gustavo por aqui em mais uma oportunidade de destacar um trabalho muito importante, que pode ter passado batido pelo radar de muita gente.
No ano passado, o produtor musical, arranjador e compositor paulistano Levi Keniata lançou o álbum duplo “CÉLULAS”, pelo seu selo musical Nebulosa. Com duas partes de 12 faixas, o álbum traz ao longo de mais de uma hora de duração as vozes e interpretações de uma série de grandes artistas, conduzidos naturalmente pelas bases e instrumentais únicos e versáteis de Levi.
Átila Silva, Bia Doxum, Ôbigo, Marabu, Nayra Lays, Uél, Moz, Ankhboy, Isaac Eugenio, MC Kr, Nia, Artelheiro, Gustrago, Allan Abbadia, Kayode, Caue Carvalho, são alguns dos diversos artistas que ampliam o repertório e a identidade desse trabalho, que viaja por sonoridades do Samba, para o Balanço, para a batida do Funk, até o Afrobeat de forma muito orgânica.
“O convite dos artistas foram para pessoas que celebram a arte e a vida, buscando sempre transmitir o que vivemos na arte musical. Todos os convidados tinham um entrosamento prévio que possibilitou o trabalho acontecer desta maneira, totalmente inusitada para o meu fluxo de trabalho, que é fazer música a distância. Acredito que meu trabalho como artista, ter a presença desses outros artistas, foi de fato, fazer acontecer o que precisava acontecer. O som que aconteceu, era necessário ter acontecido. Os convites já existiam em outro plano, assim como as músicas, eu apenas como instrumento, formalizei e materializei.”, comentou Levi
A mente de Levi Keniata
Levi conta que iniciou sua carreira profissionalmente em 2016 e hoje segue atuando no campo de produção musical, arranjo e composição. A relação e os primeiros contatos com a música vieram desde muito cedo, através de sua mãe, cantora de Igreja. Ainda na infância, a fanfarra da escola deu a primeira oportunidade de Levi explorar seus estudos musicais. Já na adolescência, o jovem do ABC paulista ouviu a paixão pelo Funk falar mais alto, descobrindo que novas possibilidades criativas o aguardavam em outros espaços.
Com o amadurecimento pessoal e a mudança no estilo de vida, Keniata conheceu o Samba e o Candomblé, vivências que possibilitaram seu primeiro contato com instrumentos de percussão como o atabaque e o agogô, um universo que transformou suas referências. Desde então, a música preta brasileira ganhou outra proporção na vida e nas experimentações do produtor.
Em “CÉLULAS” as bases e instrumentais carregam uma forte variação de sonoridades, representando bem a dualidade do disco que vai do Samba-Rock ao Funk de forma muito suave e orgânica.
“É a minha fundação, como ser humano, onde o Samba e o Funk me fazem viver a vida de um jeito que se torna vital estar nessas duas cenas musicais. Essa proposta sonora já vem sendo realizada em outros trabalhos, onde componho e produzo, como Pela Honra (Ôbigo, 2019) e Fundamento (Marabu, 2020). Essa mescla já existe devido às duas musicalidades terem berços muito próximos, o Samba Rock sendo derivado do Sambalanço, bem como uma dobra de Rum do Agueré, e o Funk sendo derivado do Congo. Se comparar as duas claves são praticamente iguais. É nossa herança em São Paulo, o Samba Rock, é nossa atualidade, o Funk. Não nego o nosso passado e nem nego o nosso presente. Juntando essas duas escolas temos a continuidade do que já existe. Música Preta Realmente Brasileira no Século 21.”, explicou Levi.
Selo Nebulosa e a criação de um organismo
Em 2018 Levi criou o selo Nebulosa, buscando a constante inovação das operações e estéticas que envolvem a musicalidade brasileira, realizando trabalhos em conjunto com artistas independentes em ascensão, que buscam por inovações musicais dentro do Samba Rock, do Balanço ou do Funk, trazendo continuidade à música preta brasileira.
Para Levi, uma das funções da arte, e do selo Nebulosa, é trazer reflexões sobre o presente, buscando novas perspectivas para o futuro. Em um momento ímpar na história do mundo, durante um período sensível e em contexto de pandemia, Keniata e todos os artistas convidados para o seu mais recente projeto, encontraram na música o acalanto que precisavam.
Durante a quarentena, o produtor percebeu a importância de construir um imaginário coletivo, contando e registrando as histórias, angústias, anseios e expectativas dos artistas independentes ligados à música brasileira feita da Zona Leste à Zona Sul de São Paulo.
“Para garantirmos que todos profissionais e artistas possam minimamente caminhar visando um trajeto duradouro na música, firmamos a nossa gravadora, Nebulosa Selo, fazendo o corre necessário pra estruturar mais e mais trabalhos de todas essas pessoas tão importantes para a arte. Eu como produtor musical, acredito que só assim pra conseguirmos manter uma concepção e conceituação artística bem amarrada também, sou muito grato por estar trabalhando com pessoas assim, que sonham junto e independente do que aconteça, criamos novos horizontes pra trilhar. Tem que fazer acontecer!”, afirmou Levi.
Assim nasceu “CÉLULAS”, um grande organismo, onde cada indivíduo contribuiu para a geração de movimento. Construído de forma coletiva, com muita sensibilidade, o álbum é um panorama do presente, um registro da arte e da criatividade daqueles que não são vistos e ouvidos em diversas esferas da sociedade brasileira em tempos de pandemia, uma obra que materializa as expressões musicais e culturais da música local.
Dentro das células, interligado
A obra retrata duas atmosferas diferentes, recheadas de sentimentos opostos porém complementares. Levi conta que a produção começou em abril de 2020 e todo o processo rolou de forma independente. Desde a concepção até a conclusão do disco levou cerca de cinco meses, com produção, composições e arranjos realizados à distância e gravações feitas parcialmente em estúdios durante o período de quarentena.
Na primeira parte, Levi nos leva a um universo de euforia, ansiedade, questões sobre o tempo e os mais diversos tipos de saudades e sensações que todos nós sentimos por dias e noites neste momento, em que um vírus tornou o ar denso e nos levou ao confinamento compulsório. O mundo pediu silêncio, e a partir do refúgio criado pela introspecção e auto observação, surgiu a primeira parte do álbum.
Virando o disco, respiramos coragem, enfrentamento, vida e amor. A oxigenação da mente e do corpo geram um ambiente cheio de novas perspectivas e boas energias. Seja pela vontade de ver o mar ou pela saudade de sair para dançar com o copão na mão em um baile de rua, na segunda parte Levi nos leva a experienciar toda a alegria de se sentir vivo, carregado de bases contagiantes de Funk.
Trazendo um verdadeiro respiro para o momento caótico da pandemia, e portando a música preta como estandarte de vida, Levi nos deixa uma mensagem de resistência e persistência.
“Quem tem medo do futuro não rega o presente. Se não querem continuar, continuamos. Vivos, de maneira coletiva, ouvindo, sentindo e dando os caminhos”.
Ouçam o álbum duplo “CÉLULAS”, de Levi Keniata em todas as plataformas de streaming.