Documentário eu falo xé apresenta um recorte plural da cena artística do interior paulistano

por Duda Possível

#eufaloxé A margem da música, o novo documentário produzido pelo núcleo marginal de arte Fyabomb e financiado pela lei Aldir Blanc de incentivo à cultura devolve ao município de Itapetininga no interior do estado de São Paulo, 6 episódios acerca da história de artistas locais em diferentes estágios de suas carreiras.

Subjetividades diversas que através da palavra e outras formas de expressão ocupam um lugar no mundo no qual habitar equivale a necessidade de comunicar-se. Os artistas se apresentam por eles mesmos e nos mostram suas trajetórias musicais desde o momento em que começaram se reconhecer como artistas e suas sagas individuais e coletivas acerca do fazer independente no Brasil, sobretudo no interior e em tempos de pandemia.

O documentário traz questões como a relação com o espaço em que se vive, as impossibilidades do isolamento e os desafios do underground, de uma maneira sensível e afetiva ao mesmo tempo em que não abandona o senso crítico e o atestado de arte como confronto e via de fazer revoluções, características das iniciativas do núcleo de arte idealizado pelo produtor e músico Dabliueme.

Fyabomb opera de forma independente mas sempre foi do desejo de Dabliueme estruturar produções através de uma ampliação das fontes de incentivo como forma de ampliar a escala e os horizontes das produções audiovisuais do Fyabomb, sempre voltadas para o propósito de incentivar e inserir artistas e grupos locais sem acesso ou de acesso precário em vivências artísticas, culturais e eventos colaborativos. Fyabomb é um lugar de pertencimento que opera em prol da diversidade sintetizada pela pluralidade de narrativas encontradas documentário #eufaloxé.

Os episódios são divididos pelas narrativas de Pupa Kanda, Monik Leme, Negronx, Tempos de Morte, Roda de Samba dos Amigos e Wagner Ferrarezi. Conduzidos pelas perguntas invisíveis do roteiro de Dabliueme e Mtt Lima num formato parecido com o do Programa Ensaio da TV Cultura dando uma sensação de fluidez e mistério nas apresentações.

Pupa Kanda é escolhido para comunicar no primeiro episódio sua trajetória rica de saberes adquiridos pelas suas vivências da Angola ao Brasil. Seu fazer em arte passa pelo resgate linguístico sobretudo do Kimbundu, e o resgate histórico do reino do Congo no Brasil como forma de resistência, protesto e não submissão a ditadura estética e histórica dos padrões europeus. Sua voz é instrumento para verbalização de contos, cantos e provérbios que atestam a força das palavras na defesa de saberes alternativos, comunicando nossas crenças, vivências e essências.

O segundo episódio é apresentado por Monik Leme, jovem artista nascida e criada em Itapetininga, gravou seu primeiro primeiro ep em 2019 mas já se mostra muito ligada nos códigos do mercado fonográfico e na responsabilidade de usar a arte para comunicar problemas sociopolíticos, consciente dessa potência crítica da arte como via de mudanças e revoluções. Monik com calma e tranquilidade afirma esse compromisso através da musicalização de seus poemas, que mesmo carregados de revolta e indignação nos dão uma esperança de um futuro narrado por vozes mais responsáveis e conscientes.

O terceiro episódio apresentado pelo carioca Anderson Gonçalves, vulgo Negronx, trás suas vivências com arte desde o núcleo de arte Albert Einstein no Rio de Janeiro, espaço importante para sua formação como cidadão e indivíduo. Negronx se nomeia como alguém que faz “musica do mundo” pela sua versatilidade inclassificável, traz o que se vive para suas musicas, insatisfações com o mercado fonográfico “de plástico” e a necessidade de aprender a querer mais informações.

O quarto episódio trás a banda de post punk death rock, Tempos de Morte, que comunica estratégias de sobrevivência perante a ausência de um futuro, trazendo a máxima do “tocar do seu jeito” defendida pelo movimento punk, política de criar possibilidades dentro de cenários impossíveis tida como radical porém completamente necessário para construção de um futuro mais democrático fora e dentro da cena musical.

O quinto episódio conta com a presença do grupo Roda de Samba dos Amigos, Samuel, Tiago, Viera e João unidos por laços de pertencimento criados através do pagode, já estão há uma década juntos dentro e fora da boemia de Itapetininga. Afirmam que precisa haver perseverança porém fazem um apelo para falta de apoio aos músicos e a necessidade da valorização desse trabalho pelos aparelhos culturais.

O sexto e último episódio apresenta Wagner Ferrarezi, multi artista em transmutação constante, inicia o episódio recitando um dos poemas de seu livro recém publicado, pinta telas que são janelas e portais, chaves simbólicas para sua mitologia pessoal carregada de uma subjetividade sublime. Wagner também é ator, sua primeira performance foi num circo itinerante aos 5 anos de idade em Itapetininga, e desde então continua exercitando a transmutação do seu eu artístico e criando performances experimentais. Continuando seu currículo de artista híbrido e ser múltiplo, Wagner também é musicista e tem como instrumento a flauta doce, que de um jeito quase sinestésico cria através de suas melodias cenários musicas melódicos que se relacionam com a própria natureza do espaço em que ele vive, tem algo muito onírico no trabalho de Wagner.

O ponto de contato entre essas narrativas tão diversas é justamente a pluralidade de subjetividades e sujeitos dentro da cena artista independente do município de Itapetininga sob a visão da produtora gerida por Dabliueme e Aldria Lima que já vem fazendo história na região nos aspectos fomentadores de arte e cultura.

A arte marginal está viva, produções audiovisuais documentais como #eufaloxé só ressaltam a importância de escrevermos nossas histórias e a de nossos pares a partir de uma historio grafia de dentro e de perto, propondo memórias históricas alternativas, referenciando nossos pares e reocupando o espaço público com nossos corpos diversos em prol de um futuro mais democrático e abrangente.

Ficha técnica #eufaloxé

Produção Executiva: Fyabomb

Direção: Dabliueme e Mtt Limma

Edição: Aldria Lima, Dabliueme e Raphael Gotta

Câmeras: Aldria Lima, Raphael Gotta e Mauricio Herman

Design: Gabriel Sotter

Captação, Mixagem e Masterização: Dabliueme

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