por Gustavo Silva
Richard de Jesus Bispo dos Santos e Juan de Jesus Bispo dos Santos, dividem, além da relação de irmãos, o rap como caminho escolhido para expressarem sua arte, suas visões de mundo e contarem suas histórias e vivências. Mais conhecidos como Ridh Pacífico e Kaneel Absorto, os paulistanos possuem caminhadas e trajetórias individuais dentro do rap nacional, com características e sons bem únicos entre si.
Ridh tem 20 anos, é morador do Bairro do Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. Kneel tem 18, e vem da zona leste paulistana, diretamente do Bairro São Miguel Paulista. Apesar dos caminhos individuais que os artistas escolheram seguir dentro do rap, a oportunidade de realizarem um trabalho em conjunto aparece como uma nova possibilidade para a arte dos mc’s.
Com o lançamento do primeiro EP desenvolvido em conjunto pelos irmãos, Ridh e Kneel trazem em “Mochila Vazia” quatro faixas com conteúdos de letra, arte visual, produção musical e visões sobre realidades do momento, que são capazes de encher uma dezena de mochilas. A Straditerra trocou uma ideia com o Ridh para saber um pouco mais sobre como foi a produção desse EP, sobre a experiência de lançar um projeto com o irmão, e todo o contexto por trás do desenvolvimento deste trabalho.
Com o primeiro rap “Lágrimas da Pele” escrito aos 17 anos, Ridh tem uma trajetória recente no meio musical, mas um repertório de lançamentos que merece a atenção de todos que estão de ouvidos e cabeça aberta para as novas artes e os novos artistas que buscam uma oportunidade de partilharem sua voz, e suas vivências.
Ridh conta que a ideia que deu início ao desenvolvimento do “Mochila Vazia” partiu de uma proposta feito pelo Kneel, no final de 2019:
“Já no final do ano passado, meu irmão me propôs da gente escrever um EP com quatro faixas. Nós pensamos em algo sobre o que afeta nossa vida diariamente, que no caso são exigências populares, a mídia em alguns aspectos, o próprio capitalismo e seus efeitos, e também o pensamento livre”.
Todo o trabalho foi desenvolvido durante o período da quarentena, na casa de Ridh, e exigiu uma superação por parte dos irmãos que contaram com poucos recursos tanto na produção:
“O projeto todo foi gravado, mixado e masterizado no tablet, que a gente comprou só para poder fazer os sons existirem. Meu irmão já tinha um conhecimento sobre produção, o suficiente para produzir os sons e criar os beats. Outra coisa que ajudou bastante foi o ambiente da minha casa que tem um reverb ideal para o microfone caseiro que utilizamos”.
Mochila Vazia foi finalizado em um mês e meio, e Ridh diz que a parceria com o irmão era algo esperado para acontecer e que talvez possa gerar novos projetos lá na frente.
“Em experiência foi bem simples, como se eu tivesse gravando um som em um estúdio profissional, só com mais tempo e oportunidade de pensar e discutir a criação das faixas”.
O som que dá início ao EP recebe o ouvinte com um sample de Jorja Smith, e versos sobre diversas situações pelas quais os artistas passam durante sua caminhada. “Simples demais” aborda a hipocrisia presente em cada um; a autossabotagem que coloca em dúvida a qualidade do seu trabalho; o flerte entre a oportunidade e a mediocridade; além de como os artistas podem ser tanto alvo de inspiração para uns como de maldição para outros. Afinal de contas, os artistas são seres simples e óbvios ou complexos demais?
Para Ridh: “Os artistas são pessoas simples fazendo o que gostam, como um garoto que goste de jogar bola. Talvez o que gera essa arrogância é a forma que o público olha e trata o artista/músico, a própria mídia em si, quando diz que você como artista tem que ser bom, passar a imagem de ser uma pessoa extraordinária. Mas no fim, artistas só são pessoas tentando levar a vida da melhor forma”.
A segunda faixa, “Papo com a propaganda” traz críticas ao mercado publicitário, ao consumismo inconsequente, e à valorização e importância que damos a produtos e bens materiais. No rap vemos a vaidade muito como um símbolo de superação e possibilidade de viver horizontes e realidades novas. Assim como vemos também a ostentação por vezes valorizando mais um cordão de ouro do que uma família com casa própria. Algumas das críticas da faixa podem ser contextualizadas com essa própria cena do rap.
“Eu acredito que é normal o pessoal querer ter algo caro, principalmente quando a pessoa luta por aquilo, só que muitas das vezes é ilusão, ilusão quando a pessoa começa a acreditar que ela precisa disso para ser alguém, para que a sua existência tenha relevância, quando no fim vale mais a pessoa que você é. O efeito disso na música é que o rap tem influência na vida dos jovens, ou pelo menos já teve. Vou considerar que ainda tem. Eu penso que se eu fizer uma letra valorizando bens materiais, eu estarei falhando como compositor, que expresso muito o conceito realidade. Quando eu era mais novo, entre 11 e 15 anos, eu vivia pensando ‘Tenho que ter isso aquilo, porque todo mundo tem!’, no fim é tudo construção da mídia referente a vendas. Se eu fizer um som com essa estética, eu acredito que estarei fortalecendo uma central que só quer dinheiro, que ilude para se manter de pé, sem se importar com a cognição de quem ouve”, comentou Ridh.
Na terceira faixa, a que deu nome ao EP, os mc’s falam sobre a importância de estar sossegado em busca de manter uma boa saúde mental, e a necessidade de buscar tranquilidade em momentos de caos e tumulto:
“A importância do sossego tem muito a ver com a saúde mental, é uma pausa! Aqui em São Paulo é tudo muito movimentado, e às vezes a gente se preocupa tanto em produzir coisas para fins capitais, que deixamos de descansar, de ter lazer, só para não ficar pra trás. Eu busco essa tranquilidade principalmente dormindo, mas também leio, assisto e escrevo”, disse Ridh.
Na última faixa do EP, e particularmente a favorita deste que vos escreve, “Excessos” os irmãos falam de uma forma bem crua e real sobre o peso e as lutas do cotidiano de artistas e trabalhadores que oferecem diariamente suas energias em troca do mínimo para sobreviver.
“Eu acho que uma mudança desse cenário aconteceria em poucos casos, talvez de um artista que tenha um suporte financeiro ou já tenha dinheiro para investir. E na questão industrial, do mercado de trabalho, eu acho que uma mudança real exige tempo, reorganização política, e depende de todos no Brasil. É uma questão de pessoas serem vista como pessoas, não como produtividade”, afirmou Ridh.
Com uma sequência de quatro singles lançados em 2020, e o primeiro álbum de estúdio programado para sair no mês de agosto, Ridh comenta que não estabeleceu uma dupla concreta com o irmão, mas que outros projetos como o EP “Mochila Vazia” podem surgir com o tempo:
“Depois do álbum em agosto vou focar no lançamento de singles, a maioria com participação de outros artistas. Além disso também vou tentar gravar o segundo álbum para ser lançado em 2021”, concluiu Ridh.
O EP “Mochila Vazia” de Ridh Pacífico e Kneel Absorto está disponível no YouTube e no Spotify.