Por, Gustavo Silva
Na noite de 11 de agosto de 1973 aconteceu o primeiro encontro dos 4 elementos que viriam a constituir a cultura Hip-Hop, através dos irmãos jamaicanos Cindy e Clive Campbell (DJ Kool Herc), que colocaram num mesmo salão de festa na Av. Sedgwick, 1520, representantes das artes: DJ, MC, Breaking e Graffiti, realizando a primeira festa de Hip-Hop com os seus 4 elementos.
Celebrando anualmente o acontecimento deste fato histórico para a cultura, o mês de agosto é reconhecido como o mês do Hip-Hop e não podemos deixar essa celebração passar batido por aqui.
Entre os meses de abril e julho, publicamos nas nossas redes uma narrativa histórica voltada à cultura Hip-Hop, nos aprofundando em cada um dos seus elementos como conhecemos hoje, retomando os pilares da cultura Hip-Hop. No caso, buscamos explorar além dos 4 elementos essenciais presentes naquela festa do DJ Kool Herc.
Os 9 elementos do Hip-Hop
Em um contexto de crise durante a Guerra do Vietnã, com o constante crescimento do desemprego, violência e abandono do Estado nos bairros mais pobres dos Estados Unidos, mais especificamente no South Bronx em Nova York, lugar habitado majoritariamente por negros e latinos, nasceu como uma válvula de escape a cultura Hip-Hop.
Na noite de 11 de agosto de 1973 aconteceu o primeiro encontro dos 4 elementos que viriam a constituir a cultura, e para dar base e suporte a esses elementos artísticos, o DJ, MC e produtor Afrika Bambaataa traz o Conhecimento como 5º elemento, destacando o saber adquirido e repassado através das gerações, da música e da literatura marginal como um pilar da cultura. Para Bambaataa, este elemento aproxima a cultura da discussão de problemas sociais.
“É através do conhecimento que a pessoa envolvida com o Hip-Hop vai começar a se preocupar com os problemas sociais do seu bairro, com o governo. As pessoas precisam reconhecer que a cultura Hip-Hop salvou vidas, fez com que pessoas de etnias e nacionalidades diferentes se unissem. É preciso falar sobre a história do povo negro”. – Afrika Bambaataa
Mais tarde, o MC e produtor KRS-One trouxe uma reflexão ainda mais ampla, compilando a cultura em 9 elementos diferentes que serão a nossa base de discussão daqui pra frente, sendo eles: Breaking, MC, DJ, Graffiti, Beatbox, Conhecimento de rua, Linguagem de rua, Moda de rua e Empreendedorismo de rua.
KRS-One apresentou redefinições dos termos e códigos da cultura Hip-Hop. Se colocando como um verdadeiro especialista cultural, ele afirma que os 9 elementos apresentados aqui permanecem como uma ferramenta fundamental de ensino. Então vamos a eles!
Conhecimento de Rua
Conhecimento de Rua se refere ao estudo e aplicação da sabedoria ancestral no Hip-Hop. É o senso comum básico e a sabedoria das famílias passadas de geração em geração. Consiste de técnicas, frases, códigos e termos usados para sobreviver no contexto urbano.
Envolve também a habilidade de raciocinar logicamente fora das ideias acadêmicas tradicionais, contra o mito de que o conhecimento só existe em ambientes acadêmicos quietos e ordenados. O conhecimento comunitário do Hip-Hop pode ser achado na diversão, no entretenimento, nos bailes, nas festas e nas palavras dos seus poetas e autores, configurando em sua prática o intelectualismo orgânico.
O Conhecimento de Rua é o conhecimento de como sobreviver na vida urbana moderna.
MC
Vinda da forma abreviada de Mestre de Cerimônias, a palavra MC se refere ao elemento que explora o estudo e a aplicação da fala rítmica, na persona do poeta do Hip-Hop, aquele que move a multidão, que rima ritmicamente na palavra falada.
Em seu sentido tradicional, o Mestre de Cerimônias atuava como um verdadeiro anfitrião dos eventos e festas, mas a evolução deste elemento o levou a ocupar um protagonismo na música Rap, e um reconhecimento público como porta-voz da cultura Hip-Hop.
A prática do MC de narrar histórias, ensinar lições e transmitir conhecimento entre comunidades e gerações, remete à antiga arte praticada por filósofos e griots africanos que levavam histórias e ensinamentos a diferentes vilas e povos, compartilhando suas experiências e conhecimentos.
Em sua essência, o MC é um mestre e representante da grandiosidade da palavra falada.
Empreendedorismo de Rua
Concentrando o estudo e aplicação do gerenciamento dos negócios no Hip-Hop, o Empreendedorismo de Rua é o elemento que destaca a importância de se engajar na criação do seu empreendimento.
Este elemento traz conhecimentos e práticas diferentes do empreendedorismo tradicional, que fala de técnicas e práticas empresariais que geralmente trabalham em defesa dos valores neoliberais.
Os ensinamentos do Empreendedorismo de Rua focam no valor e na urgência de dominar os conhecimentos dos negócios e gerenciar os seus próprios talentos e trabalhos, para assim controlar os seus ganhos e definir a sua trajetória para além das amarras do meio neoliberal.
É sobre desenvolver uma visão de gestão e negócios, com o objetivo de defender o seu trabalho, a sua identidade e a sua propriedade intelectual.
DJ
Sendo aquele que estuda e aplica a produção, execução e difusão da música, o DJ interage artisticamente com as músicas cortando, mixando, riscando e criando novas sonoridades a partir das suas referências e pesquisas.
O DJ é um modelo da importância do conhecimento e do estudo na cultura Hip-Hop, pois a pesquisa individual de cada DJ é capaz de levar conhecimentos únicos e sonoridades diversas para públicos e localidades que naturalmente não teriam este acesso.
O DJ não apenas inspira nosso estilo musical, mas representa o desejo e a habilidade para criar, modificar e transformar a música através da tecnologia e de suas habilidades individuais.
Moda de Rua
Urban Fashion, Street Fashion, ou simplesmente, Moda de Rua, é o elemento do Hip-Hop que estuda e aplica os estilos urbanos ao vestuário, como uma forma de expressão e afirmação de identidade.
A moda é uma forma de comunicação muito antiga. A forma como nos adornamos, colorimos e vestimos representa nossa consciência, nossas ideologias, nossa identidade.
Essa forma de comunicação foi adaptada à cultura Hip-Hop, e amplificada pelos seus representantes, através da Moda de Rua.
A Moda de Rua reúne os estilos e as tendências da cultura Hip-Hop, em um movimento pela auto expressão.
Podemos dizer que este elemento tem o importante papel de apresentar a identidade da cultura Hip-Hop ao mundo.
Breaking
Sendo bem mais do que uma dança, o Breaking toma o movimento corporal como uma forma de expressão de grande relevância social, política e cultural.
O Breaking tem o seu nascimento na famosa festa do DJ Kool Herc, em 1973, no Bronx. Herc usava uma técnica conhecida como Carrossel, onde o DJ, usando um mixer e dois toca discos, com a mesma música em cada um dos toca, prolonga os compassos de breakbeat presentes, dando mais bases para B-Boys e B-Girls apresentarem movimentos novos e únicos.
Desde sua origem o Breaking é reconhecido como uma das mais importantes manifestações artísticas de resistência da cultura Hip-Hop.
Esse elemento agrega diferentes formas de dança que já foram reconhecidas como independentes, como: Uprock, Popping e Locking, Electric Boogie, até a Capoeira faz parte dessa mistura.
A dança também é uma forma de comunicação e cada praticante do Breaking traz em suas apresentações a demonstração da sua identidade e estilo individual, através de fundamentos como Top Rock, Foot Work, Freeze e Power Move.
A relevância do Breaking está levando este elemento do Hip-Hop a lugares de alto reconhecimento. Então busque saber mais sobre os praticantes nacionais do Breaking e a essência deste elemento da cultura, porque em 2024 vamos ser fortemente representados nos Jogos Olímpicos, em Paris!
Graffiti
Explorando os estudos e a aplicação da caligrafia de rua, da arte visual e da escrita à mão, o elemento Graffiti engloba diversas formas de arte gráfica, como bombing, tagging e a própria pixação.
A prática de comunicação e expressão artística através da escrita em muros, árvores, roupas, etc, faz parte da história da evolução humana e tem um papel muito importante no desenvolvimento da nossa inteligência e auto expressão.
Repetindo as práticas das civilizações pré-históricas, muitos de nós aprendemos, desde crianças, a praticar a escrita e os desenhos em muros e paredes, e assim fizeram também os grafiteiros dos anos 70 e 80, adaptando essa prática com suas latas de spray nos trens suburbanos.
Os grafiteiros são mestres da arte visual, apresentando suas habilidades e estilos próprios narrados através de histórias gráficas, escritas à mão.
Tradicionalmente e historicamente, a arte nos muros e espaços públicos foi criminalizada, como mais um instrumento de cerceamento da expressão artística e da comunicação periférica e marginal.
Sendo assim, o Graffiti é mais uma forma de resistência da cultura Hip-Hop, que traz para o espaço público as artes gráficas e visuais como verdadeiras expressões e protestos da rua.
Beatbox
Se aprofundando nos estudos e aplicações da música corporal, este elemento da cultura Hip-Hop trabalha com a criação de sons rítmicos com várias partes do corpo, com maior destaque para as mãos, a boca e a garganta.
Criando verdadeiras orquestras humanas, a prática do Beatbox se origina desde a busca humana por imitar sons da natureza com as partes do corpo, até se ligar à base da cultura Hip-Hop, no momento em que os seus praticantes buscam reproduzir as sonoridades das drum machines com os seus corpos, originando uma nova forma de expressão e comunicação.
O Beatbox encontra referências na própria gênese da civilização humana, que buscava reproduzir os sons da natureza como estratégia de sobrevivência e tinha a reprodução de diferentes sons como forma de comunicação.
O Beatbox atualiza conceitos de linguagem, expressão, comunicação, arte, levando a produção sonora para um lado corporal, além de reforçar a identidade e essência emancipadora e libertadora da cultura Hip-Hop.
Linguagem de Rua
Este elemento se refere puramente aos estudos e aplicações da comunicação verbal dentro da cultura Hip-Hop, com seus estilos e códigos próprios da linguagem, como uma forma da cultura se libertar das normas da língua padrão, e de tudo aquilo que é pregado como uma norma padrão a ser seguida na comunicação social.
A Linguagem de Rua traz para os membros da cultura Hip-Hop, novas formas de expressar seus sentimentos, desejos e visões de mundo, para além dos conceitos acadêmicos e tradicionais, assimilando as suas vivências e identidades à sua fala, criando códigos de comunicação próprios.
Este elemento pode abordar também a comunicação para além da língua falada. Novos códigos podem ser criados e adaptados às formas de comunicação que vão além das palavras, gerando discursos próprios da cultura Hip-Hop, como mais uma ferramenta aplicada para garantir a liberdade e identidade daqueles que vivem a cultura.
A língua é viva, fluida e adaptável. Nossa linguagem evolui diariamente, para que possamos transmitir novos significados através dos nossos códigos linguísticos, que contemplem a transformação das nossas ideias, garantindo a liberdade e emancipação da nossa comunicação ao longo das gerações.
Esta foi uma pequena viagem pelas bases essenciais da cultura Hip-Hop. Acreditamos que é muito importante conhecer e aplicar os conhecimentos eternizados pelos pilares da cultura e reconhecer o valor da trajetória de todos que pavimentaram esses 49 anos de Hip-Hop, para que o futuro da cultura seja cada vez mais próspero e conectado com a sua essência.